"O Deus da paz seja com todos vocês. Amém”.
Romanos 15:33 (NVI)
Ao se fazer
uma análise de qualquer que seja o fato, é preciso que haja um norte indicativo
dos valores históricos e culturais do referido tempo a que se refere, bem como
saber acerca da implicação de significados linguísticos da referida época. Não
se pode julgar o passado com a balança do presente, pois sendo assim não haverá
coerência na análise, e provavelmente será acometido de injustos
comentários. É preciso ir se
contextualizando para torna os discursos adequados e apropriados para cada
tempo. Neste viés, os evangélicos tupiniquins, às vezes, parecem estar vivendo
hoje, alguns séculos atrasados: com pregações arcaicas de enfrentamento do
inimigo, jargões ultrapassados com tons territoriais e louvor com mensagens
obsoletas de triunfalismo tático. De uma forma geral, ainda se é praticado nos
rincões gospeis uma cultura de
guerrilha. Talvez, num passado distante tais temáticas tivessem conexões com a
cultura local, mas atualmente, é necessário reavaliar sua importância e
aplicabilidade religiosa.
A cultura de
guerra que orbita em torno das igrejas tupiniquins tem sua relevância
embrionária, até justificável, do ponto de vista histórico-bíblico, mas
continuar a pratica-la hoje é no mínimo bizarro e desconexo. A história bíblica,
especialmente o Antigo Testamento, é engordurado de guerras entre os povos, o que
fica notório nos salmos, orações e discursos veterotestamentarios. Falar de
guerra e inimigo era o contexto da referida geração e nação. Ingressados no
Novo Testamento, ainda se vivencia uma cultura de expansão dos impérios por
meio das guerras, especialmente o Romano, o que influenciou igualmente alguns
ditames de guerrilha nos textos neotestamentarios.
A bíblia
expõe certa cultura de guerra, pois este era o contexto imediato destes. Passados
os anos, e mesmo no findar do século XX, e início do século XXI, ainda se tem
guerras no mundo, e ao que tudo indica, sempre haverá. Contudo, tais contextos
nem sempre fazem parte do cotidiano de muitos cristãos e nações, a exemplo do
Brasil, que mui raramente se envolve com guerras bélicas ou de expansão
territorial. Entretanto, ao adentrar nas
igrejas brasileiras, especialmente as de linha neopentecostal, o cenário de
guerrilha é perceptível efervescente e notoriamente conquistador. Os cânticos
denunciam nossa paixão pela guerra, nossas roupas simulando camuflagem evoca o
espírito de guerrilha e os pregadores esbravejam ordem de comando. Enfim, a
igreja brasileira está em guerra!
Os discursos
de batalha espiritual só agravou o cenário de brutalidade, conquista e neurose.
Entra no ringue: Diabo, Deus, anjos, cristãos e os não-cristãos. Neste balaio
de desorientação e perda de identidade percebe-se os cristãos se achando os
guerreiros imbatíveis, com estratégias de guerra supostamente espiritual, mas
com implicações territoriais, politicas e financeiras. Percebe-se igualmente um
Deus fraco, que precisa de nossa
permissão para fazer as coisas, sendo este Deus legalista, limitado e rendido
aos propósitos da igreja. Percebe-se um Diabo forte, que mesmo a Bíblia tendo
assegurado que ele já perdeu por causa da obra da cruz de Cristo, ainda os
cristãos estão chamando o Diabo para guerra. Percebe-se os anjos como soldados
do além para guerrilhar e ameaçar os ímpios, como se os anjos fossem
assombrações para atormentar os que não se alistaram ao exercito igrejeiro. E
percebe-se os não cristãos como o alvo para fazer as igrejas crescerem, não por
causa do amor, mas sim pela força sinérgica de guerrilha de se ter muita gente
aglomerada. Enfim, a igreja brasileira está em guerra!
A cultura de
guerra que emerge de nossas cerimonias religiosas gospeis-tupiniquim é algo importado, não apenas pelo contexto
cultural dos autores bíblicos, mas especialmente dos Estados Unidos, que
insistem em ter uma cultura de guerra ao
terror árabe, vietnamita e iraniano. Boa parte das canções do louvor são
traduções de canções em inglês, quase todos os livros teológicos e de gênero
espiritual tem como autores pessoas norte-americanas e grande parte dos modelos
de crescimento de igrejas também são estadunidense. Enfim, a igreja brasileira
está em guerra!
As pessoas
que vivenciaram a segunda guerra mundial (1945), e a geração imediatamente
posterior, que ainda respirou os ensaios da guerra fria (1989), tem em suas
percepções culturais um DNA de guerrilha indivisível. O que consequentemente
influenciou a liturgia da igreja neste período histórico. Contudo, já é tempo
de tentarmos impregnar na igreja uma nova cultura, uma cultura de paz. Uma
cultura de amor. A cultura de Jesus Cristo. A cultura de Deus. O escritor e
poeta Jonathan Swift (1667-1745) já denunciava, muito antes de nossas
contemporâneas guerras, tal necessidade de mudança na cultura religiosa ao
afirmar: “nós temos a religião suficiente para nos odiarmos, mas não a que
baste para nos amarmos uns aos outros”.
Deus sempre
usou a cultura local para se comunicar, tornar-se conhecido, e para tanto,
obviamente usou, no contexto bíblico, da linguem de guerra para mostrar sua
força - uma forma de atropopatismo hermenêutico, coerente com a cultural da
época. Contudo, a cultura mudou, e Deus quer valer-se desta nova cultura
tupiniquim para continuar a ser conhecido, como dantes, a partir de nossa atual
cosmovisão. Entretanto, enquanto usarmos padrões culturais desconexos e
destemporalizados não será possível haver conexões com o Carpinteiro. Talvez, por esta razão é que haja tanto
barulho em nossas igrejas, na tentativa de chamar a atenção de Deus. Talvez,
por isto haja tantas pessoas fingindo espiritualidade nas igrejas, na tentativa
compensar os vazios da guerra. Talvez por causa disto que ainda queremos
guerrear, na tentativa de encontra o “cativeiro” do Príncipe da Paz.
A cultura de
guerra nas igrejas evangélicas brasileira fora um catalizador de culturas de
povos bíblicos e de culturas estrangeiras, culturas estas que não representam
nossa cultura tupiniquim. E Deus quer ser conhecido pelos brasileiros, não com
sotaque gringo, nem com estirpe hebraica. Deus quer ser brasileiro, fazer parte desta historia, e então, nos
reconectar com a cultura celestial que invariavelmente comunga do amor, paz e
fraternidade. É preciso que o Reino seja efetivamente implantado em nossa
cultura, transformando nossas vidas e nos transportando para Reino do Seu amor
(cf. Cl. 1:13). Enfim, a igreja
brasileira está em guerra! E Deus está nos oferecendo a paz.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 02 de Agosto de 2015
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