sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A cultura de guerrilha dos evangélicos brasileiros


"O Deus da paz seja com todos vocês. Amém”.
Romanos 15:33 (NVI) 

Ao se fazer uma análise de qualquer que seja o fato, é preciso que haja um norte indicativo dos valores históricos e culturais do referido tempo a que se refere, bem como saber acerca da implicação de significados linguísticos da referida época. Não se pode julgar o passado com a balança do presente, pois sendo assim não haverá coerência na análise, e provavelmente será acometido de injustos comentários.  É preciso ir se contextualizando para torna os discursos adequados e apropriados para cada tempo. Neste viés, os evangélicos tupiniquins, às vezes, parecem estar vivendo hoje, alguns séculos atrasados: com pregações arcaicas de enfrentamento do inimigo, jargões ultrapassados com tons territoriais e louvor com mensagens obsoletas de triunfalismo tático. De uma forma geral, ainda se é praticado nos rincões gospeis uma cultura de guerrilha. Talvez, num passado distante tais temáticas tivessem conexões com a cultura local, mas atualmente, é necessário reavaliar sua importância e aplicabilidade religiosa.

A cultura de guerra que orbita em torno das igrejas tupiniquins tem sua relevância embrionária, até justificável, do ponto de vista histórico-bíblico, mas continuar a pratica-la hoje é no mínimo bizarro e desconexo. A história bíblica, especialmente o Antigo Testamento, é engordurado de guerras entre os povos, o que fica notório nos salmos, orações e discursos veterotestamentarios. Falar de guerra e inimigo era o contexto da referida geração e nação. Ingressados no Novo Testamento, ainda se vivencia uma cultura de expansão dos impérios por meio das guerras, especialmente o Romano, o que influenciou igualmente alguns ditames de guerrilha nos textos neotestamentarios.

A bíblia expõe certa cultura de guerra, pois este era o contexto imediato destes. Passados os anos, e mesmo no findar do século XX, e início do século XXI, ainda se tem guerras no mundo, e ao que tudo indica, sempre haverá. Contudo, tais contextos nem sempre fazem parte do cotidiano de muitos cristãos e nações, a exemplo do Brasil, que mui raramente se envolve com guerras bélicas ou de expansão territorial.  Entretanto, ao adentrar nas igrejas brasileiras, especialmente as de linha neopentecostal, o cenário de guerrilha é perceptível efervescente e notoriamente conquistador. Os cânticos denunciam nossa paixão pela guerra, nossas roupas simulando camuflagem evoca o espírito de guerrilha e os pregadores esbravejam ordem de comando. Enfim, a igreja brasileira está em guerra!

Os discursos de batalha espiritual só agravou o cenário de brutalidade, conquista e neurose. Entra no ringue: Diabo, Deus, anjos, cristãos e os não-cristãos. Neste balaio de desorientação e perda de identidade percebe-se os cristãos se achando os guerreiros imbatíveis, com estratégias de guerra supostamente espiritual, mas com implicações territoriais, politicas e financeiras. Percebe-se igualmente um Deus fraco, que precisa de nossa permissão para fazer as coisas, sendo este Deus legalista, limitado e rendido aos propósitos da igreja. Percebe-se um Diabo forte, que mesmo a Bíblia tendo assegurado que ele já perdeu por causa da obra da cruz de Cristo, ainda os cristãos estão chamando o Diabo para guerra. Percebe-se os anjos como soldados do além para guerrilhar e ameaçar os ímpios, como se os anjos fossem assombrações para atormentar os que não se alistaram ao exercito igrejeiro. E percebe-se os não cristãos como o alvo para fazer as igrejas crescerem, não por causa do amor, mas sim pela força sinérgica de guerrilha de se ter muita gente aglomerada. Enfim, a igreja brasileira está em guerra!

A cultura de guerra que emerge de nossas cerimonias religiosas gospeis-tupiniquim é algo importado, não apenas pelo contexto cultural dos autores bíblicos, mas especialmente dos Estados Unidos, que insistem em ter uma cultura de guerra ao terror árabe, vietnamita e iraniano. Boa parte das canções do louvor são traduções de canções em inglês, quase todos os livros teológicos e de gênero espiritual tem como autores pessoas norte-americanas e grande parte dos modelos de crescimento de igrejas também são estadunidense. Enfim, a igreja brasileira está em guerra!

As pessoas que vivenciaram a segunda guerra mundial (1945), e a geração imediatamente posterior, que ainda respirou os ensaios da guerra fria (1989), tem em suas percepções culturais um DNA de guerrilha indivisível. O que consequentemente influenciou a liturgia da igreja neste período histórico. Contudo, já é tempo de tentarmos impregnar na igreja uma nova cultura, uma cultura de paz. Uma cultura de amor. A cultura de Jesus Cristo. A cultura de Deus. O escritor e poeta Jonathan Swift (1667-1745) já denunciava, muito antes de nossas contemporâneas guerras, tal necessidade de mudança na cultura religiosa ao afirmar: “nós temos a religião suficiente para nos odiarmos, mas não a que baste para nos amarmos uns aos outros”.

Deus sempre usou a cultura local para se comunicar, tornar-se conhecido, e para tanto, obviamente usou, no contexto bíblico, da linguem de guerra para mostrar sua força - uma forma de atropopatismo hermenêutico, coerente com a cultural da época. Contudo, a cultura mudou, e Deus quer valer-se desta nova cultura tupiniquim para continuar a ser conhecido, como dantes, a partir de nossa atual cosmovisão. Entretanto, enquanto usarmos padrões culturais desconexos e destemporalizados não será possível haver conexões com o Carpinteiro.  Talvez, por esta razão é que haja tanto barulho em nossas igrejas, na tentativa de chamar a atenção de Deus. Talvez, por isto haja tantas pessoas fingindo espiritualidade nas igrejas, na tentativa compensar os vazios da guerra. Talvez por causa disto que ainda queremos guerrear, na tentativa de encontra o “cativeiro” do Príncipe da Paz.

A cultura de guerra nas igrejas evangélicas brasileira fora um catalizador de culturas de povos bíblicos e de culturas estrangeiras, culturas estas que não representam nossa cultura tupiniquim. E Deus quer ser conhecido pelos brasileiros, não com sotaque gringo, nem com estirpe hebraica. Deus quer ser brasileiro, fazer parte desta historia, e então, nos reconectar com a cultura celestial que invariavelmente comunga do amor, paz e fraternidade. É preciso que o Reino seja efetivamente implantado em nossa cultura, transformando nossas vidas e nos transportando para Reino do Seu amor (cf. Cl. 1:13). Enfim, a igreja brasileira está em guerra! E Deus está nos oferecendo a paz.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 02 de Agosto de 2015

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