“Não se
deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também
colherá”.
Gálatas 6:7 (NVI)
Tentamos enganar aqueles que sabemos que será
enganado! Nossa vil natureza humana sabe trilhar na subjetividade da existência
do outro, por esta razão ao intentar enganar os desatentos viajantes viramos os
nossos olhos perversos sobre as frágeis vidas daqueles que facilmente se engabelarão
no laço do passarinheiro. Engana-se a outrem, pois sabe-se que é possível
enganar – esta é uma arte conceituadíssima e altamente admirada. É possível
seduzir os errantes artistas da vida que ficam a contemplar as belezas da
jornada. E estranhamente, é possível, e até mais fácil, ludibriar aqueles que
tentam não ser enganados pelo “efeito manada”, isto é, aqueles que se acham
inteligentes. Sendo assim, a melhor enganação é aquela que se apercebe sendo
contra todo sistema, mas ironicamente, se enjaula nas cadeias dos trapaceiros
intelectuais, que perversamente estão a enganar.
Tentamos enganar aqueles que querem ser enganados! A
historicidade dos homo sapiens se
desnuda altamente dialética, pois quase sempre o que dizemos não querer é
exatamente o que queremos. Igualmente, nossas radicais defesas morais são na
verdade fragilidades de caráter que queremos transparecer aos que sabemos
querem ser enganados. Afirmar que alguém quer ser enganado parece ultrajante,
mas na verdade é “libertador”. Até porque no mais absoluto fracasso, então,
teremos a consciência limpa de que fizemos apenas aquilo que se esperava de
nós. Sempre haverá pessoas malandras o suficiente para fingirem que não querem ser enganadas – na arte de enganar o
primeiro passo é sempre da vítima que intencionalmente se prontifica a entrar
no pelotão de fuzilamento como herói. Isto é necessário, pois para se enganar
bem é preciso parecer que não se está enganando.
Tentamos enganar aqueles que são nossos amigos! Não
é possível enganar a distância, é necessário proximidade. Para se enganar é
preciso cativar, cultivar, sorrir – carece de ser amigo. A celebração do ato de
enganar encontra no palco da amizade o cenário ideal para encenar o glorioso
ato maior do teatro da vida: enganar com plateia. Isto não quer dizer que toda
forma de amizade é intencionalmente manipuladora, porém é sensato ponderar que
sendo “amigo” a enganação é mais facilmente impregnada, sem grandes
contestações e com relativa satisfação. Amigos são confidentes, o que fornece
ao amigo-inimigo todas as informações necessárias para criar os estratagemas
manipulativos. Para enganar, sem ser percebido como enganador, é imprescindível
amigar-se com.
Tentamos enganar aqueles que são superiores a nós!
Enganar um subordinado não tem tanta relevância e beira a ignomínia, pois
afinal engana-se para ser promovido, destacado, valorizado, aplaudido, admirado
e elogiado. Por esta razão os mestres enganadores sempre se trejeitam de
diversos personagens que se amoldam as corruptas intenções de elogiar os
superiores com fins a serem promovidos. Para se enganar com precisão é imperativo
que haja elogios frequentes aos caciques da tribo dos enganadores. Elogiar
publicamente, exaustivamente e solenemente faz com que a enganação seja
travestida de cordialidade, amizade, consideração, respeito, entre outros
distintivos honrosos. Por esta razão engana-se, pois há distinção entre nós, dai
precisamos de “pessoas modelos” – gente capaz de enganar e, ainda sim, ser
admirada. Engana-se para parecer ser bom e ser engrandecido perante as mentes
fracas dos que desejam cargos e títulos, ainda que estes mesmos jurem não
gostar das ovações, sem nunca as dispensarem.
Tentamos enganar.... porque é isto quem somos! Não
são os outros quem enganam, como se o
estigma de enganação fosse uma mancha a ser detectada apenas nos outros, sendo
um tipo de patologia diagnosticável apenas em terceiros. Lego engano de gente
que vive a enganar-se... se há enganação, ali estamos nós... coparticipando,
fomentando, instigando, fingindo, encenando e essencialmente enganando-se.
Desde o jardim do Éden até a contemporaneidade somos (e queremos ser) seduzidos
pela enganação do que somos. Na
contemporaneidade atingimos um nível grandioso de normalização da enganação ao
ponto de tal adjetivo ser parte estruturante de nossas vidas. Enganamos porque
somos homens, por causa dos homens, para sermos homens (não gênero, mas sim
humanidade). Enganamos a nós mesmos para que nos esqueçamos de nossa herança
divina.
Tentamos enganar... porque sabemos que não
enganaremos a Deus, mas... alguém precisa ser enganado, então! Ao longo da
narrativa bíblica percebe-se Deus insistindo
por meio dos diálogos que Ele não é homem (cf.
Nm 23:19; I Sm 16:7). E por mais que sejamos criados a imagem e semelhança
dEle, habita em nós, especialmente após o Jardim do Éden, uma deformidade
chamada “enganador” (impostor, como gostava nomear Brennan Manning). Sabemos (?)
que Deus nunca será iludido com nossas sutilizas enganadoras, pois Ele nos conhece
melhor do que a nós mesmos (cf. Sl.
139) e não é possível zombar dEle com nossas disfarçadas dissimulações (cf. Gl. 6:7). Enfim, Deus está fora da
nossa lista de enganados (em tese, tão somente em tese). Por esta razão, só nos
resta enganador a todos outros, tantos quantos forem possíveis.
Tentamos enganar.... e é isto que denuncia o quanto
estamos distantes do novo nascimento! É possível (e bem provável) sermos
exímios lideres religiosos sem nunca termos encontrado o Salvador – aliás, ao
que parece, quanto mais distante se está de Deus, mas as massas tendem a coroar
os tais como lideres. É possível (e bem provável) sermos referenciais em nossas
comunidades locais sem nunca termos abandonado o velho homem – aliás, ao que
parece, isto até parece tornar o evangelho (não o Evangelho) mais acessível. É
possível (e bem provável) sermos tão enganadores ao ponto de criarmos uma nova
religiosidade onde Deus se torna um objeto de consumo complacente com a nossa
miserabilidade – aliás, ao que parece, uma religião sem Deus, em nome de Deus,
tem maior credibilidade frente a esta sociedade que insiste em se esconder de Deus.
Tentamos enganar... sim, sempre tentamos.... e não poucas vezes conseguimos de fato. Às vezes
dá até a impressão, não fosse biblicamente impossível (e é necessário ratificar
ser impossível – tudo é apenas ilusão de gente que já se acostumou a enganar), que
enganamos o próprio Deus. Nesta enganação, engenhosamente arquitetada com tons
de espiritualidade revigorante, tem-se a sensação (e somente a sensação enganosa)
de que Deus ficou a gangorrear entre o esperto
e o bobo descrito por Clarice
Lispector no poema “das vantagens de ser bobo”. Desta forma se atingi o estágio
de completa putrefação existencial que é enganar-se tanto ao ponto de acreditar
ser possível enganar a Deus. Nestes dias tenho a certeza axiomática que o
Carpinteiro fica a se perguntar: a quem estes homens tentam enganar?
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 10 de Abril de 2015