sábado, 21 de março de 2015

A morte em saltimbancos e traquinagens


“Porque nunca haverá mais lembrança do sábio do que do tolo; porquanto de tudo, nos dias futuros, total esquecimento haverá. E como morre o sábio, assim morre o tolo!”
 Eclesiastes 2:16 (NVI)

Ah! Dona Morte, nestes tempos de silêncio sei que você está a contemplar a inutilidade e o apego dos mortais a vida. Percebo, então, que você deve saber o dia do gran finale de todos nós, pelo menos é assim que a nós parece. Seria tipo um conchavo da Dona Vida com a Dona Morte, instrumentos estes de adorno ao Rei, que de tão grandioso resolveu se misturar aos viventes como Carpinteiro. Sabe-se o dia de nascimento, e dali vai-se escrevendo as jornadas turbulentas de cada um, com qualquer um, de jeito algum. Para muitos a felicidade está nestes primeiro momentos da vida, com sorrisos fáceis, desapego as glórias, manhas de quem só quer ficar uma pouco mais junto. Afinal, da vida o que se tem é a companhia de viajantes humanos. Para muitos outros a felicidade é dado ao fim da carreira, como que num soluço de descanso da alma para jornadas vacilantes, que de tanto chorar aprenderam a sorrir, que de tanto perder aprenderam a saborear as conquistas cotidianas, mesmo que insignificantes e desprezíveis aos olhos cobiçosos da vida. Ao que parece, para estes, a vida serve como escritas eternas na mente da gente que por cá ficam.

A Dona Morte é astuta, sabe que tem gente que precisa (re)escrever a história nos últimos dias, como que tentando compensar o desperdício da vida que escorreu por entre os dedos daqueles que se acham imortais. Dali, num canto qualquer, fica a Dona Morte a observar, torcendo para que seus convidados sejam capazes de superar tantas histórias ruins e finalizar a carreira com a certeza de que é possível terminar melhor do que começamos. Dona Morte, acho que você nos dá este tempo para que possamos reconciliar, reamar, reencontrar, restabelecer e reconectar. Finalizar a história de gente triste é, por si só, triste demais. Talvez, por isto, você, Dona Morte, nos dá este tempo para que os finais felizes seja no final, sendo portanto, aquilo que lembraremos para todo sempre. Talvez você seja mal interpretada por nós mortais, pois não gostamos de admitir que o silêncio roube-nos as palavras. Contudo, você sabe que um grande final se dá no auge, por mais que isto nos sufoque tanto. Ter com o que se lembrar é o seu maior trunfo, Dona Morte.

A Dona Morte não tende a seguir padrões metodológicos pré-estabelecido, como que numa rotina desvairada e descomedida. Ela sabe que acabar com a vida é uma arte que precisa ser cultivada, precisa ser arquitetada, desenhada e até caricaturada. Dizer fim é tão majestoso quanto dizer começar. E nesta soluvidade (solúvel) da existência que a Dona Morte se diverte tanto, mesmo que fazendo-nos chorar. Resgata dos viventes os sorrisos soltos de crianças que ainda tinham tanto para viver e que agora serão eternizadas infantilmente. Rouba dos mortais os amores intensos de gente que descobriu o significado da existência no outro e que agora terá que aprender a estar só, outra vez. Surrupia dos mais velhos o suspiro de abarcar a insanidade dos mais jovens e que agora terão que encontrar seu próprio caminho sem a guia dos anciões. Solapa dos anônimos a omissão de vidas inteiras que agora serão lembradas no mais profundo do coração de alguém. Tudo isto pode parecer maldade da Dona Morte (e talvez seja, ainda não conseguimos conversar, nossos diálogos sempre foram monólogos), porém a morte é quem agracia nossas temporas histórias.

A Dona Morte não é insensível, ela sabe por fim a dor, mesmo que com a dor indizível da morte, e, sabe eternizar a felicidade, mesmo que emoldurando-a com o sofrimento da morte. Dona Morte é uma artista incansável, rompendo a medíocre visão mnêmica do que a nós fica. Dona Morte vive em saltimbancos e traquinagens, celebrando nossa humanização temporal. Usando de nossas vidas como que cores a embelezar uma história maior, superior, ininteligível a nós, mas cognoscível ao Autor. Tanto a Dona Morte, quanto a Dona Vida, sabem que não são autônomas, mas se divertem quanto podem, cumprindo suas trajetórias, igualmente rascunhadas por Aquele que conhece nossas palavras sem nunca termos dito, conhece nossas dores sem nunca termos gritado e conhece nossas felicidades sem nunca termos agradecido. Enfim, mais uma vez não chegamos a um fim, Dona Morte. E é isto que me fascina tanto em você, pois mesmo com tanto a falar, consegue simplesmente calar (e ficar dai a serelepar). Um dia nos encontraremos, e então faremos o tão aguardado “em diálogos com a morte” (título de referência ao artigo do mesmo autor).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 17 de Março de 2015

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