“...o homem está destinado
a morrer uma só vez...”
Hebreus
9:27 (NVI)
Aqui estamos outra
vez, em diálogos com a Dona Morte – referência aos artigos do mesmo autor,
intitulados: “em diálogos com a morte”, “palavras antes do adeus”, “morte, uma
emancipação de Deus” (disponíveis no blog: seabravinicius.blogspot.com.br).
Contudo, desta vez vamos voltar as nossas conversas iniciais e discorrer sobre
nosso fúnebre encontro, que num fatídico dia se dará. E, como a morte só visita
a mesma pessoa apenas uma vez em toda a vida, não havendo possibilidades de
reencontro com a morte, então, quero valer-me das linhas que se seguem para conversarmos
sobre o meu culto fúnebre – faço isto não por desejar a morte, mas sim por não saber
em que dia vou morrer, então prefiro me antecipar, já que não será possível
escrever sobre isto depois do nosso espantoso encontro.
A primeira
observação que julgo relevante é mudar o nome do referido evento, nunca gostei
do termo “culto fúnebre”. Culto não é digno para a Dona Morte, nem a mim, nem a
minha desafortunada vida e nem aos nobres sobreviventes que choram. Culto não
se confabula com a tristeza da morte – talvez por esta razão tanta gente hoje
em dia não mais quer ir a igreja assistir
um culto, pois já não se sabe se é fúnebre ou de celebração dominical, às
vezes, ambos se parecem tanto. E ainda é válido questionar o termo usado
anteriormente, assistir, pois
oferecer culto é por definição incompatível com a confortável redoma de
espectador. Não é possível assistir culto, nem fazer culto, ainda mais fúnebre.
Culto só é possível quando a vida dos envolvidos extrapola a cerimônia e
converge toda a história dos envolvidos para fins de glorificar ao Carpinteiro.
Então, não quero meu culto fúnebre, apenas quero ser enterrado (encerrado).
Afinal, a morte não é o fim, é uma pequena pausa de descanso rumo à eternidade.
Não quero meu
culto fúnebre, porém como devo estar morto na ocasião, provavelmente meus
familiares vão querem fazer tal aglomerado, e não tem como eu reclamar ou
exigir nada, pois para todos os efeitos vou estar morto. Então, se os viventes
insistem em fazer o meu culto fúnebre vou descrever algumas coisas que não
toleraria nem morto, a saber: não
quero que pastores discursem, pois esta pavonice de pastores amantes de
microfones e plateias só ficam a narrar discursos decorados de textos bíblicos
e frases de efeito (clichês). Falam as mesmas coisas quer seja no velório de um
traficante ou num velório de um ativista social. Este tipo de discurso
mecânico, impessoal e decorativo, dispenso do meu culto fúnebre. Quero que meus
amigos de caminhada falem, que minha família tomem a homilia, que gente que me
conhece de verdade façam os discursos.
Outra observação
que julgo relevante para nosso glorian
day, Dona Morte, é que não demore muito a me enterrar, pois passados alguns
poucos minutos de velório, as pessoas começam a fazer grupinhos de conversa e
esquecem que estão juntos para consolar os que ficam. Desta demora de ao pó retornar descortina a
insensibilidade dos presentes que facilmente começam a contar histórias
diversas, escambam a rirem e inevitavelmente vão fofocar, entre outras tantas
ações que se visto numa foto seria tipo uns poucos chorando em volta do caixão
e todo o restante esperando acabar a cerimônia para voltar a suas atarefadas
rotinas. Nada mais ilógico/imprudente que reunir gente que não sabe chorar,
entristecer ou sensibilizar-se para tal momento. Se querem fazer culto fúnebre
que, então, estejam dispostos sentirem (solidarizarem-se).
Por fim, Dona
Morte, se ainda sim insistirem em fazerem meu culto fúnebre quero deixar
registrado aqui uma última sugestão. Que não seja feito dentro de uma igreja,
não gostaria que as pessoas presentes associassem um lugar de vida com a
referida cerimônia de morte. Que seja feito ao ar livre, mesmo que no próprio
cemitério, acredito que esta reconexão com a natureza é terapêutico para os que
permanecem vivos. Ouvir pássaros cantando, sentir o toque suave do vento, perceber
a singeleza das árvores é reconfortante aos que tiveram perdas – este seria um
culto silencioso, escutado apenas por Aquele que escuta corações. A ideia é
boa, pois, iniciamos nossas vidas entranhados com a natureza (Jardim do Éden) e
o Criador, nada melhor que encerra-la ali mesmo.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 16 de Agosto de 2014