quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A sociedade dos servos inúteis


“...quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever".
Lucas 17:10 (NVI) 

A muitos e muitos anos atrás, num reino tão distante, havia um pequeno grupo de servos que dotados de grandes talentos e capacidades diversas, serviam o rei com destreza e excelência. Gente esta que lutavam grandes batalhas, venciam ferozes dragões, enfrentavam exércitos e ao fim eram recebidos como heróis na vila onde moravam. Eram arqueiros que manuseavam habilidosamente o arco e flecha. Eram soldados que empunha suas espadas no mais alto estilo da nobre esgrima. Eram generais que ousadamente enfrentavam os perigos das guerras épicas, sucumbindo suas vidas em nome do rei. Estes são homens de honra que mesmo nunca tendo posto a coroa viviam suas vidas em nome desta que enobrece a cabeça de um só.

Numa fatídica manhã, porém previsível aos olhos mais sensíveis do reino, estes homens que valiam de suas vidas para manter a vida, enfrentaram a maior batalha de todos os tempos. Lutaram como antes, com punho fechado, com precisão nos golpes, com os olhos postos na glória do rei, com coragem tamanha que impunham respeito aos frágeis militantes que lá de longe observam um duelo digno de saudosas homilias gregas. A batalha parecia não ter fim, foram dias, semanas, em que as espadas não descansavam, e apesar de todo cansaço oriundo desta empreitada os nobres servos mantinham a guarda, zelando pelo nome do rei e exercendo seus votos de usarem tudo que tinham para expandir o reino. Finalmente, após longo período de pleito, mais uma vez... venceram, e então se puseram no caminho de volta para casa.

Durante o trajeto de volta, estes homens, que agora já estavam acostumados com as ovações de outrora, acreditavam que depois desta batalha seriam recebidos como reis na vila, afinal, nunca antes se vira tamanha disposição e disponibilidade em servir. Contudo, traiçoeiro é o caminho da glória, capaz de tornar os tais homens nobres em insaciáveis cumbucas de elogios e reconhecimentos – recipientes estes apropriados para os mais vis sentimentos de rebeldia contra o rei. Diferente das calorosas recepções do passado, foram humildemente recebidos pelos pequenos que brincavam na beira do portão da vila. Todos os demais habitantes estão interditos com suas obrigações domésticas e afazeres profissionais, não puderam ir aplaudir os destemidos servos do reino. E isto não passou despercebido pelos que voltavam...

Chateados, como era de se esperar, os servos-guerreiros começaram a arrazoar entre si sobre a ingratidão dos da vila. Ponderaram acerca da ousadia destes em não reconheceram os esforços dos tais. Arquitetaram argumentos mil sobre o que seria do rei sem estes robustos servos que não temiam a morte. Julgaram ser o mínimo serem recebidos com aplausos, ramos de gratulações e gritos de estímulos. Decidiram então abandonar o reino, pois ninguém merece ficar num local que não há valorização e gratidão. Foram embora. Deixaram o rei, os da vila e os pequeninos que ainda brincavam na beira do portão. Exilados numa floresta não muito longe da vila, os ex-soldados do rei se confabularam e decidiram eleger um rei para si, mas não conseguiram chegar num acordo, pois todos queriam ser reis, afinal era o grau mais nobre de reconhecimento que se existia e que estes aspiravam.

Algum tempo depois, com tentativas mal sucedidas de coroação, os ex-servos foram bisbilhotar como os da vila estavam conseguindo viver sem a proteção e qualificação destes que foram embora. Queria saber como o rei estava se portando sem o seu grupo de elite. Os tais nobres soldados acreditavam que a vila tinha perdido muito sem eles e precipitavam discursos orgulhosos de que agora o reino iria ver o quando eles eram preciosos e indispensáveis. Contudo, ao chegarem nas frestas do muro da vila perceberam que a vida continuava e que nada tiravam a paz do rei. Decepcionados, mas curiosos, foram à procura do rei. Os servos expuseram suas insatisfações, diziam serem merecedores de honra, não iriam aceitar a ausência de ovações pelo serviço que faziam no reino. Então o rei amorosamente apenas disse: “quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever” - Lucas 17:10.

Deste dia em diante, os soldados voltaram para a vila, lutaram batalhas diversas, enfrentaram seus próprios medos em dias sóbrios de guerra e entenderam que no reino só pode haver um rei, digno de toda honra e reconhecimento. Agora, quando chegavam na vila não mais queriam ser recebidos com aplausos, alias nem faziam questão de serem vistos. E, se alguém da vila ousasse fazer qualquer forma de reconhecimento, estes nobres soldados logo os exortavam dizem com o argumento de que: “tudo que fizemos, fizemos pelo rei. Era nossa obrigação, fomos treinados para isto, vivem para isto e se for preciso morreremos por isto. Nossos talentos e virtudes são responsabilidades, não nos tornam melhores que os outros. Fazemos o que fazemos porque nascemos para isto, e se no final da jornada alguém quiser nos exaltar lembrem estes que fomos apenas servos inúteis”.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Fevereiro de 2014

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