“...quando tiverem feito tudo o
que lhes for ordenado, devem dizer: Somos servos inúteis; apenas cumprimos o
nosso dever".
Lucas 17:10
(NVI)
A muitos e muitos anos atrás, num reino tão distante,
havia um pequeno grupo de servos que dotados de grandes talentos e capacidades
diversas, serviam o rei com destreza e excelência. Gente esta que lutavam
grandes batalhas, venciam ferozes dragões, enfrentavam exércitos e ao fim eram
recebidos como heróis na vila onde moravam. Eram arqueiros que manuseavam
habilidosamente o arco e flecha. Eram soldados que empunha suas espadas no mais
alto estilo da nobre esgrima. Eram generais que ousadamente enfrentavam os
perigos das guerras épicas, sucumbindo suas vidas em nome do rei. Estes são
homens de honra que mesmo nunca tendo posto a coroa viviam suas vidas em nome
desta que enobrece a cabeça de um só.
Numa fatídica manhã, porém previsível aos olhos mais sensíveis
do reino, estes homens que valiam de suas vidas para manter a vida, enfrentaram a maior batalha de
todos os tempos. Lutaram como antes, com punho fechado, com precisão nos golpes,
com os olhos postos na glória do rei, com coragem tamanha que impunham respeito
aos frágeis militantes que lá de longe observam um duelo digno de saudosas homilias
gregas. A batalha parecia não ter fim, foram dias, semanas, em que as espadas não
descansavam, e apesar de todo cansaço oriundo desta empreitada os nobres servos
mantinham a guarda, zelando pelo nome do rei e exercendo seus votos de usarem
tudo que tinham para expandir o reino. Finalmente, após longo período de
pleito, mais uma vez... venceram, e então se puseram no caminho de volta para
casa.
Durante o trajeto de volta, estes homens, que agora já
estavam acostumados com as ovações de outrora, acreditavam que depois desta
batalha seriam recebidos como reis na
vila, afinal, nunca antes se vira tamanha disposição e disponibilidade em
servir. Contudo, traiçoeiro é o caminho da glória, capaz de tornar os tais
homens nobres em insaciáveis cumbucas de elogios e reconhecimentos –
recipientes estes apropriados para os mais vis sentimentos de rebeldia contra o
rei. Diferente das calorosas recepções do passado, foram humildemente recebidos
pelos pequenos que brincavam na beira do portão da vila. Todos os demais
habitantes estão interditos com suas obrigações domésticas e afazeres profissionais,
não puderam ir aplaudir os destemidos servos do reino. E isto não passou despercebido
pelos que voltavam...
Chateados, como era de se esperar, os servos-guerreiros começaram
a arrazoar entre si sobre a ingratidão dos da vila. Ponderaram acerca da
ousadia destes em não reconheceram os esforços dos tais. Arquitetaram argumentos
mil sobre o que seria do rei sem estes robustos servos que não temiam a morte. Julgaram
ser o mínimo serem recebidos com aplausos, ramos de gratulações e gritos de estímulos.
Decidiram então abandonar o reino, pois ninguém merece ficar num local que não
há valorização e gratidão. Foram embora. Deixaram o rei, os da vila e os
pequeninos que ainda brincavam na beira do portão. Exilados numa floresta não
muito longe da vila, os ex-soldados do rei se confabularam e decidiram eleger
um rei para si, mas não conseguiram chegar num acordo, pois todos queriam ser
reis, afinal era o grau mais nobre de reconhecimento que se existia e que estes
aspiravam.
Algum tempo depois, com tentativas mal sucedidas de
coroação, os ex-servos foram bisbilhotar como os da vila estavam conseguindo
viver sem a proteção e qualificação destes que foram embora. Queria saber como
o rei estava se portando sem o seu grupo
de elite. Os tais nobres soldados acreditavam que a vila tinha perdido
muito sem eles e precipitavam discursos orgulhosos de que agora o reino iria
ver o quando eles eram preciosos e indispensáveis. Contudo, ao chegarem nas
frestas do muro da vila perceberam que a vida continuava e que nada tiravam a
paz do rei. Decepcionados, mas curiosos, foram à procura do rei. Os servos
expuseram suas insatisfações, diziam serem merecedores de honra, não iriam
aceitar a ausência de ovações pelo serviço que faziam no reino. Então o rei amorosamente
apenas disse: “quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: Somos
servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever” - Lucas 17:10.
Deste dia em diante, os soldados voltaram para a vila,
lutaram batalhas diversas, enfrentaram seus próprios medos em dias sóbrios de
guerra e entenderam que no reino só pode haver um rei, digno de toda honra e reconhecimento.
Agora, quando chegavam na vila não mais queriam ser recebidos com aplausos, alias
nem faziam questão de serem vistos. E, se alguém da vila ousasse fazer qualquer
forma de reconhecimento, estes nobres soldados logo os exortavam dizem com o
argumento de que: “tudo que fizemos, fizemos pelo rei. Era nossa obrigação,
fomos treinados para isto, vivem para isto e se for preciso morreremos por
isto. Nossos talentos e virtudes são responsabilidades, não nos tornam melhores
que os outros. Fazemos o que fazemos porque nascemos para isto, e se no final
da jornada alguém quiser nos exaltar lembrem estes que fomos apenas servos inúteis”.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Fevereiro de 2014
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