terça-feira, 9 de dezembro de 2014

No jogo da vida, e da igreja


"Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e inofensivos como as pombas".
Mateus 10:16 (NVI)

A vida no século XXI não poucas vezes se parece com um jogo qualquer, onde cada qual estabelece suas próprias regras e jogam, displicentemente, jogam. Por esta razão, constantemente as pessoas se sentem como peças no tabuleiro, vazias, ocas e manipuláveis. No jogo da vida os seres humanos perdem o valor como gente, se tornam objetos. Dai, o respeito se desnuda em negociações simplórias e desqualificadas de estratégias do mercado humano-mítico.

O mundo está podre e doente, pois as pessoas perderam o valor em si mesmo, se inferiorizaram a semelhança de peças de tabuleiro para mais uma vez jogar, apenas mais um jogo qualquer, em nome do poder, ou até mesmo em nome de Deus. Infelizmente, a igreja tem entrado pelo mesmo caminho, percorrendo um giro de 360º, ou seja, volta sempre para o mesmo lugar. Caminha em círculos, não há irmandade, apenas competitividade.

Há aqueles que julgam estar ganhando o jogo pelo fato de terem muitas peças no tabuleiro eclesiástico, politico, financeiro e social – se destacando numa grandeza invejável aos demais jogadores. Todavia, temos que lembrar que os tumores também crescem e ganham proporções estratosféricas. Ter muito, fazer muito, saber muito, ser muito não tem muita relevância. Tristemente, a sociedade (e a igreja) ensina há estes personagens mímicos que vence aquele jogar melhor. Estes já perderam, mas ainda não o sabem.

Os fariseus insistentemente chamavam Jesus para o jogo deles. Instigavam o Mestre, fazendo propostas desafiadoras, porém Cristo não queria jogar. Os religiosos sempre apareciam perante o Carpinteiro com o tabuleiro e as peças na mão. Entretanto, Ele não queria fazer parte do jogo. Que possamos voltar à simplicidade e humildade ministerial, entendendo que somos pó e ao pó retornaremos. Nenhuma disputa compensa o fracasso de se jogar, pois nenhum jogo tem valor perante Cristo.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 16 de Setembro de 2005

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Igrejas em processos de humanização


“Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade. Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus perdoou vocês em Cristo”.
Efésios 4:31-32 (NVI) 

A expressão “igreja” sempre denotou alguma relação com o termo “espiritualidade”, que por sua vez carregava significados de uma verticalização no relacionamento homem-divindade – estas são premissas verdadeiras, essenciais e fundamentais a fé cristã. Fazer parte da Eclésia significava buscar uma aproximação com Deus, uma tentativa de se reconectar com o Criador e quem sabe resignificar as aspirações seculares com tons cristãos – pressupostos nobres de qualquer cristão em busca de uma vida aos moldes do caráter de Cristo. De fato, tudo isto está correto, porém igualmente está incompleto. Estranhamente aprendemos uma espiritualidade demasiadamente mística e desafortunadamente humanizadora, dicotomizando a fé em duas porções insolúveis: o sagrado (tudo que é igrejeiro) e o profano (tudo que se refere à normalidade da vida). É preciso redescobrir uma espiritualidade mais humana.

Jesus Cristo foi a própria personificação da necessidade de se des-espiritualizar a religiosidade, por esta razão Ele fez-se homem, habitou entre a humanidade, se secularizou, se contextualizou, viveu entre as pessoas, dialogou com as aflições humanas, fez-se gente (cf. Fp. 2:6-8). Jesus poderia ter criado uma forma espiritualizadora de reconexão com a divindade, acentuando e distanciando Deus das pessoas. Contudo, Ele optou por desestabilizar a religiosidade estabelecida (judaísmo) e aproximar-se das pessoas. Tudo isto para mostrar que o que mais precisamos não é de mais ritos espirituais unilaterais com Deus, mas precisamos redescobrir uma espiritualidade acolhedora, humanizadora e fraternal – caminho este desenhado pelo Filho do Homem.

Na igreja evangélica brasileira há muitas coisas que precisam ser repensadas com fins a não poluir mais a espiritualidade. Portanto, arrisco afirmar que não precisamos de mais 12 horas de adoração na igreja, ação esta que na verdade é uma tentativa compensatória para um cotidiano sem espiritualidade – já temos 24 horas de adoração por dia, todos os dias; não precisamos mais de músicas lentas (chamadas, estranhamente, de adoração) que nos fazem fechar os olhos durante o louvor e, então, não perceber a pessoa ao nosso lado – cantar junto sem estar junto é no mínimo bizarro; não precisamos mais de campanhas de restituições possessivas para com Deus, pois estas campanhas só têm nos feito criar uma espiritualidade bancária (extrativista) – para tristeza de alguns sanguessugas crenteiros, é preciso que entendam que o melhor de Deus não está por vir, O melhor já veio (Jesus).

É possível redescobrir uma espiritualidade mais humanizadora, é sim possível fazer da igreja uma irmandade que exala uma espiritualidade a partir das normalidades interacionistas eclesiásticas. Para isto acredito piamente, e axiomaticamente, que o caminho se dá a beira da mesa. Mesa de comida, digo. Talvez seja por estar razão que a ceia, ritual litúrgico máximo dos cristãos, se dê com comida (pão e vinho). Talvez seja por isto que o Cristo ressurreto fez-se registrar comendo peixe e mel com os discípulos antes de subir aos céus (cf. Lc. 24:42). A comida é mais que alimento, é ponto de encontro para diálogos, interações, intervenções, aproximações, abraços, sorrisos, perdão, arrependimento e etc. A comida é espiritualizadora, pois aproxima os irmãos, tornando-os de fato irmãos, gerando comprometimento/entrosamento e fortalecendo a fé um dos outros.

O escritor, Tiago, registra uma inquietante sentença ao ponderar sobre a verdadeira religiosidade não pelos parâmetros da clássica espiritualidade (homem-Deus), mas nivelando-a a partir da humanização (homem-Deus-homem), ele afirma: “A religião que Deus, o nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” - Tiago 1:27 (NVI). É preciso reiterar, ao fim deste texto, que igreja é lugar de encontrar Deus, mas também de encontrar gente, e não podemos esquecer, que estes dois sujeitos (Deus e o homem) também são encontrados fora da igreja, demonstrando como a fé tem proporções integrais e integradoras, rompendo os limites geográficos da espiritualidade igrejeira e resignificando a jornada cristã cotidiana.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 14 de Novembro de 2014

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Deus não tem que capacitar os chamados


“Fiel é o que vos chama, o qual também o fará”.
1 Tessalonicenses 5:24 (ACF)

O povo do gueto evangélico brasileiro gosta de uma frase de efeito, ama jargões triunfalísticos, se esbravejam com uma teologia de para-choque de caminhão. E são exatamente estas concepções religiosas que mais tem danificado o Evangelho tupiniquim (leia também o artigo “frase de efeito para cristãos com defeito”, do mesmo autor). Quase sempre estes clichês espiritualizadores constroem uma teologia errada, antropocêntrica e até antibíblica – mesmo que mascarada de religiosidade autêntica e inquestionável. Então, a frase: “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos” é uma destas aberrações clássicas. Esta construção religiosa está completamente equivocada e desabona a soberania de Deus, pelas razões que arrazoaremos nos parágrafos a seguir.

Era necessário sabermos quem é o autor da referida frase, pois a partir do autor poderíamos conceber ideias correlatas e o contexto (histórico, literário, religioso). Contudo, ao pesquisar na internet, na tentativa de perscrutar a autoria da referida frase, não obtive bons parâmetros, pois há incontáveis autores (gente sem criatividade, que escuta a frase, e como papagaio, posta nas redes sociais a frase para se parecer inteligente para os “amigos”). Então, não dá para saber quem foi o pai do referido clichês.

Arrisco palpitar que a frase foi uma resolução (resumo equivocado e distorcido) da celebre frase de Josué Yrion na conhecidíssima série que ele ministrou na Igreja Batista da Floresta em Belo Horizonte na década de 1990 (vídeo de combate ao suposto satanismo da Disney). Quando em um dado momento ele afirma: "Quando Deus chama, Ele capacita; Quando Ele capacita, Ele envia; Quando Ele envia, Ele supri; Quando Ele supri, Ele respalda!”. Apesar de parecidas as propostas, ainda acredito que há uma diferença entre ambas. Yrion põem Deus como agente central do processo, algo que no clichê que estamos abordando não parece ser o central.

A frase “Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos” esconde alguns problemas doutrinários, a saber: se Deus não escolhe os capacitados, então, o que acontece depois, quando Ele “capacita os escolhidos”? Há, portanto, uma gigantesca contradição no quesito “capacitação”. Ao que parece a frase quer supervalorizar os leigos, mas estes mesmos leigos esperam ser capacitados – tá ai uma coisa sem sentido! É válido ressaltar que no Reino Deus usa os capacitados e os não capacitados, porém a igreja ainda quer discutir qual é o mais importante. Se esquecem que para Deus títulos, ou a ausência destes, não são distintivos importantes. O que realmente importa é a disposição em servir, amar e perdoar – se engajando no Reino de forma plena, ao ponto de fazer o melhor possível para Deus, dentro de suas capacidades.

A referida frase é ainda mais prejudicial ao Evangelho se a tentativa foi fazer uma releitura do texto de Paulo: “Fiel é o que vos chama, o qual também o fará” - 1 Tessalonicenses 5:24 (ACF). Se a ideia foi fazer relação com o texto bíblico, então, a aberração é atroz. Perceba que o texto bíblico destaca que Deus é fiel, que é Ele quem chama e que é Ele quem fará – não há referência alguma de capacitação, pelo contrário, o texto destaca a ação de Deus, não a capacitação humana. O problema reside no fato de os cristãos ainda se acharem responsáveis pela manutenção da igreja, como se os seres humanos fosse o mais importante no Reino. Até parece que Deus precisa da santidade da igreja para permanecer sendo Deus. Ilusão.

Deus não age por meritocracia. Nem precisa de advogados, com fins a manter a reputação dEle. Por isto Paulo enfatiza: “se somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo” - 2 Timóteo 2:13 (NVI). A pretensão “...Deus capacita os escolhidos” é uma forma velada de antropocêntrico. A Obra é dEle, Ele o fará, o máximo que podemos fazer é sermos co-participantes (coadjuvante) na história. Então, não é a capacitação que importa, mas sim o agir dEle, no propósito dEle, para os fins que Ele deseja. Enfim, Ele o fará, independente de nossa capacitação.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 22 de Outubro de 2014

sábado, 4 de outubro de 2014

Cartas aos ex-membros de minha igreja


 “...ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos...”
Judas 1:3 (NVI)

Nota explicativa, antes da escrita (e leitura) da carta. A proposta de “cartas aos ex-membros de minha igreja” segue a linha exposta em outro texto anterior a este (“cartas a minha ex-igreja”) que, semelhantemente, faz-se necessário compreender o destinatário, propósito e circunstancias a derredor desta. A primeira observação necessária a ser feita é, novamente, reiterar que a utilização do pronome possessivo “minha” nesta carta, também, não se refere à possessão, mas denota afetividade. A segunda consideração refere-se à necessidade de identificação de qual igreja me referendarei, a saber: Comunidade da Fé – Igreja Cristã (Goiânia, Goiás, Brasil), igreja que atualmente pastoreio. E por fim, reitero que a utilização da expressão “cartas” no plural não significa que existem ou existirão outras cartas (pelo menos não na forma convencional da escrita), mas denota os ecos advindos desta correspondência que, igualmente, jamais conseguiria ser, por definição, uma só carta.

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A/C
Aos ex-membros da Comunidade da Fé – Igreja Cristã.

Caros ex-membros da Comunidade da Fé – Igreja Cristã (COFE). Não tenho muita certeza se esta carta chegará a vocês, mas faço votos sinceros que chegue e que tenham paciência para ler as linhas que seguirão. Reconheço que me sinto desconfortável na escrita desta, pois englobarei num pacote só vários tipos de pessoas e várias situações distintas. Então, me sinto receoso de ser mal interpretado por ocasião das generalizações que aqui farei. Contudo, não acredito que seja prudente desdobrar particularidades, isto não edificaria o Reino, nem a nós mesmos. Portanto, a mim resta valer das palavras como pontes para aprendermos com o passado.

Fui dar uma bisbilhotada nas listas antigas e na atual lista de membros/frequentadores da Comunidade da Fé (COFE) e tive a estranha certeza que apesar de poucos anos de igreja (2007-2014) já estamos no rol das igrejas que mais tem ex-membros do que membros. Tive, então, a curiosidade, apesar do receio, de ficar alguns instantes lembrando de cada pessoa. Reconheço que esta foi uma sensação estranha (no mínimo constrangedora e sufocante), pois pude perceber que a ausência destes (ex)membros deixaram vazios gigantescos em minha vida e na história da COFE. Vocês deixaram buracos de proporções estratosféricas, provando mais uma vez que pessoas são sim insubstituíveis.

Ao pausar por alguns instantes, e relembrar de cada um de vocês que congregaram na COFE, me fez chegar a dois lugares distintos e antagônicos (simultaneamente). Primeiro percebi que alguns não mais estão na COFE, pois suas histórias superaram a COFE e, então, devido a nossa pequenez histórica não foi possível suportar a estes. São gente que precisavam de mais “espaço” para continuar a crescer e, talvez, a COFE fossem um limitador (pelo menos naquele momento histórico). A estes fica meu lamento e meu pesar consentimento, pois a grandeza destes (sem nenhuma ironia no termo) poderiam ter feito a COFE ser uma igreja melhor hoje. As ausências de vocês não somaram a nossa coletividade, pelo contrário, perdemos muito. Perdemos amigos, histórias e lembranças.

O outro lugar que cheguei (ou fui levado até lá) ao rever as listas de ex-membros, foi à dura percepção de que há muitos ex-membros da COFE que não mais estão em igrejas evangélicas (e em nenhum movimento religioso). Esta foi uma releitura que mereceu rigorosa autocrítica. Saber que alguns de vocês não mais estão conosco por terem alavancado voo superior a COFE é uma graciosa sensação de “abandono” (o primeiro lugar), mas saber que alguns de vocês não mais estão por terem largado a fé (o segundo lugar a que me refiro), é uma sensação de profunda perturbação pessoal-pastoral. E aqui me fez indagar que tipo de evangelho nós da COFE apresentamos a vocês, ou/e o que aconteceu entre nós que não foi suficientemente cristão ao ponto de desabonar a fé, e/ou ainda, se será que nós da COFE não conseguimos ser igreja para vocês de forma real. Estas indagações me preocupam sobremodo, mas as possíveis respostas destas questões me põem em crise didático-religiosa.

A crise didático-religiosa a que me refiro se dá por não conceber a idéia de deliberadamente transferir a culpa para vocês. Prefiro passar a reflexão culposa primeiramente por mim. Faço isto não por achar que eu sou importante no processo, mas como (ex)pastor de vocês acredito que seja minha responsabilidade criticar minha forma de pastoreio. Também perpasso a reflexão culposa por mim não para me vitimizar no processo, porém julgo relevante gastar um tempo para avaliar minhas (nossas) desventuras. A minha crise didático-religiosa se refere, essencialmente, a criticar o “modelo de ensino” da COFE (inclui-se: estudo bíblico, liturgia, culto, confraternizações, grupos familiares...) – e como sou o pastor não me resta para onde fugir.

É preciso reconhecer que, talvez, o “modelo de ensino” da COFE tenha sido (e talvez esteja sendo) muito insuficiente para vocês – fraquinho, superficial, distante da realidade local. Se este for o caso, só me resta admitir que tenho (temos) minhas (nossas) limitações. Contudo, sei que tanto eu, quanto os demais membros, sempre tentamos fazer o melhor possível, mesmo sabendo que existe uma diferença monumental entre fazer o melhor e ser o melhor – e ainda, admitir que fazer o melhor, às vezes, não é suficiente. Ainda temos muito a aprender, crescer e amadurecer, estamos no processo. Espero que tais deficiências (limitações) não sejam cristalizadas em suas mentes e corações. Reconheço que existem muitas igrejas melhor que a COFE, espero que vocês as encontrem e resignifiquem a fé de vocês.

Ao longo dos anos aprendi uma verdade inquietadora: ninguém muda de igreja por acaso; ninguém se desliga de um grupo religioso sem razão; ninguém sai de uma igreja despretensiosamente. E sempre que alguém sai (inclusive os chatos e os inúteis) o grupo perde. O bom da igreja é esta diversidade incontrolável (que, às vezes, faz expelir pessoas – mudar de igreja ou abandonar a igreja). Podemos até escolher onde congregar, não se pode escolher com quem vamos congregar. A todos vocês que são ex-membros da COFE fica registrado minha profunda gratidão e inquietação pelo tempo que congregamos juntos. Perdoe minhas (nossas) limitações e infantilidades, e quem sabe um dia poderemos caminhar juntos outra vez (isto seria fabuloso). Todos vocês deixaram marcar inesquecíveis em minha vida e na história da Comunidade da Fé – Igreja Cristã. Lamento por não mais estarmos juntos, mas agradeço por termos um dia estado juntos.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 03 de Outubro de 2014

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Cartas a minha ex-igreja


“Lembrem-se dos seus líderes, que lhes falaram a palavra de Deus...”
Hebreus 13:7 (NVI)

Nota explicativa, antes da escrita (e leitura) da carta. O título “cartas a minha ex-igreja” precisa ser compreendido para que saibamos qual o destinatário, propósito e circunstancias a derredor da mesma. A primeira observação necessária a ser feita é a utilização do pronome possessivo “minha”, que nesta carta não se refere à possessão, mas denota afetividade. A segunda consideração refere-se à utilização do termo no singular “ex-igreja”, pois me referendarei nesta carta a primeira igreja que congreguei, a saber: Igreja Cristã Evangélica do Avivamento – Ministério Geração Eleita (Goiânia, Goiás, Brasil). E por fim, a utilização da expressão “cartas” no plural não significa que existem ou existirão outras cartas (pelo menos na forma convencional da escrita), mas sim denota os ecos advindos desta correspondência que nunca conseguiria ser, por definição, uma só carta.

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A/C
Meus ex-líderes, ex-pastores e ex-amigos de congregação.

Caros ex-líderes, ex-pastores e ex-amigos de congregação. Reconheço que esta carta está sendo escrita tardiamente, não que não houvesse interesse anterior de tal escrita, neste intervalo de 10 anos (2004-2014) muitas vezes balbuciei algumas palavras, que por vezes acreditei não serem capaz de expressar o real intento de meu coração - ou por simplesmente não conseguir entender plenamente meu coração, assim como minha razão e intenção. Contudo, mesmo admitindo que as palavras não conseguem expressar o que precisa ser dito, e nem eu mesmo consiga perscrutar minhas mais profundas (e escondidas) intenções, resolvi escrever. Resolvi escrever para dialogar um pouco mais comigo mesmo e com aqueles que se emaranham comigo.

Inicio meu discurso com tons de desafortunada gratidão, pois nós convivemos por mais de 20 anos na mesma igreja (ICEA – Ministério Geração Eleita) e hoje sei que fora o melhor lugar para eu estar nestes referidos anos. Ali aprendi valores que a mim hoje são inegociáveis, como caráter, honestidade, organização, doação, transparência, altruísmo, espiritualidade e respeito. Ali aprendi a não ser expectador do Reino, e assim assumindo responsabilidades eclesiásticas com humildade, comprometimento e paixão. Ali aprendi que servir a Deus é mais vocação do que profissão, por esta razão não posso, até hoje, oferecer a Deus menos do que a minha vida inteira. Ali aprendi a ser cristão.

Sou grato a Deus por ter tido o privilégio de congregar numa igreja que me concedeu a oportunidade de me desenvolver no ministério. Contudo, seria eu faltoso com a verdade se também não admitisse que neste mesmo ambiente vivenciei situações de profunda desilusão, dor, tristeza e decepção. Por esta razão esperei 10 anos para escrever, pois ainda tenho muitas dúvidas sobre as desventuras que vivenciei ai. Dúvidas digo, pois por vezes ainda não entendo os acontecidos. Às vezes acho que houve umas armadilhas coletivas para nos fazer desentender – sempre tem gente na igreja que quer ver os outros brigarem. Outras vezes tenho a impressão que vocês (lideres/pastores) só queriam manter a autoridade/superioridade – e nestes dias a pauta das reuniões era irrelevante. Outras tantas vezes tenho a certeza de que a mim faltou humildade – tá ai uma virtude que persigo deste adolescência, mas que insiste em me escapar com certa frequência.

Ao contrário do que possa parecer não guardo magoa de ninguém dai (minha ex-igreja), pois estes momentos de desconforto ministerial produziram, tempos depois, maturidade tanto em mim como a vocês. Contudo, isto não significa esquecer, ou deletar tais situações do passado. Até porque se isto fosse possível perderíamos o fator pedagógico inserido nas vivências. O que lamento, e lamento profundamente, é perceber, depois de uma década, que poderíamos ter agido diferente, em quase todas as situações, evitando ferir/machucar a nós mesmos. Por esta razão, sei e admito, com profundo pesar, que provavelmente hoje tenham várias pessoas que não mais estão em igrejas por minha causa, pela forma como as tratei, de como falei e das coisas que fiz em nome de Deus (e acredito que tal fantasma assombra alguns de vocês ai também).

A minha saudosa gratidão externada nos parágrafos anteriores não exclui minhas desilusões. Por esta razão, reafirmo, especialmente para os leitores desatentos, que sou grato a Deus pela minha ex-igreja. E como fruto desta gratidão reafirmo (digo reafirmo, pois tal fato já fora verbalizado em outros momentos de forma pessoal)  publicamente meu pedido de perdão a todos os que comigo conviveram neste período (1981-2004) e que se sentiram prejudicados por minha causa. Meu pedido de perdão e meu sincero sentimento de gratidão não são para que haja liberação espiritual (não acredito nestas hierarquias espiritualizadoras), nem tem haver com ser abençoado (não acredito nesta relação meritocrata com Deus). Peço perdão e sou agradecido, pois este é sentimento (ação) que tenho em meu coração. Não há nenhum interesse por detrás, não quero nada, é apenas gratidão e perdão.

O leitor contemporâneo das citadas vivências nesta carta deve estar inquieto, a se perguntar: será que esta carta é uma declaração de arrependimento de ter saído da referida igreja? A resposta cambaleia ora para o sim, ora para o não – depende do sentido proposto. Sim, me arrependo de não ter tentado de outras formas, me arrependo de minha inflexibilidade, me arrependo de ter sido precipitado, me arrependo de ter me encantado com as ovações das pessoas, me arrependo de ter acredito que eu era mais que de fato era, me arrependo de ter perdido amigos, me arrependo de ter perdido parte de minha história. E não, não me arrependo de ter tentado, não me arrependo de ter aventurado naquilo que acredito ser a vontade de Deus, não me arrependo de ter tido a experiência de me lançar no desconhecido, não me arrependo de ter descoberto coisas novas, não me arrependo de ter fundado uma agência missionária (anos depois - 2007 - fundamos uma igreja também), não me arrependo de ter sido acolhido por outros amigos, não me arrependo de estar perdendo minha vida, não me arrependo de ainda não entender o que estou fazendo.

Esta carta não é para demonstrar quem estava certo ou errado, acredito que ambos (eu e minha ex-igreja) já superamos esta infantilidade advinda da afirmativa do vencer, nós dois perdemos (e igualmente ganhamos). A história continua, e Deus tem sido graciosos para conosco. Pessoas entram e saem das igrejas, algumas passam por lá como numa rodoviária, não criam vínculos, se mantem distantes – estes nunca entenderão esta carta. Há outros que fazem da igreja uma escolha, e então, passam por lá como se fosse numa família, criam vínculos, se aproximam, conhecem e são conhecidos – estes sabem que a ex-igreja continua sendo parte deles. Esta carta é um manifesto contra a ruptura de histórias, é um convite para a fraternidade do Reino.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 26 de Setembro de 2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

"LER" pastoral


“Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho”.
1 Pedro 5:2-3 (NVI) 

Ser pastor para muitos aventureiros gospeis resume-se a fazer um show dominical, e nada mais. Converge todo o ministério pastoral numa festiva seção religiosa coletiva que estranhamente pouco tem de envolvimento. São pastores de auditórios. Que de longe discursam sobre seus triunfalismos, que quase sempre são recheados de testemunhos pessoais próprios, como se suas vidas pastoris fossem a base para a fé dos ouvintes. Fazem da religião uma panaceia neurótica desprovida de relevância cotidiana. São pastores que não são pastores, mas sim animadores de palco, gerentes eclesiásticos e/ou apenas pastores de títulos (nunca pastorearam efetivamente). Para estes, pastorear é uma diversão com ares de status social-religioso, afinal para muitos o pastor é o ungido intocável todo poderoso.

Longe desta palhaçada contemporânea que fez do pastor um super-herói da religiosidade moderna existe os pastores (ordenados ou não) que, intencionalmente, escolheram pastorear “não por ganância, mas com o desejo de servir. Não como dominadores dos que lhes foram confiados...” - I Pe. 5:2-3. Entretanto, não sejamos ingênuos, este não estão imunes às mazelas da vocação pastoral e, então, são atormentados com a LER pastoral – LER aqui não se refere ao verbo “ler”, mas sim a Lesão por Esforço Repetitivo (LER) aplicado a corriqueira rotina pastoral de muitos.

A LER pastoral leva anos para demonstrar sintomas visíveis, pois afinal, é resultado de ações repetitivas cotidianamente que aparentemente são inofensivas, mas com o tempo se mostra sobremodo prejudiciais. E é exatamente sobre estas inofensividades cotidianas repetitivas que abordaremos neste texto, desnudando como os próprios pastores, a igreja e o sistema eclesial moderno corroboram para a degeneração dos pastores vocacionados. Automaticamente fortalecendo o aparecimento dos super-pastores que nunca sofreram da LER pastoral, pois para todos os efeitos estes não são pastores.

A LER pastoral inicia quando o referido pastor (insisto, ordenado ou não, ser pastor não tem muito haver com a nomeação, mas sim com a função prática e a vocação desenvolvida) tem que constantemente ensinar as mesmas coisas quase que dominicalmente. Repete o mesmo sermão várias vezes, não com o mesmo texto, nem com os mesmos argumentos, mas sim com a mesma essência educativa-religiosa proposta, pois parece que os ouvinte não tem mais capacidade de interiorização das temáticas apresentadas. Repete-se os estudos bíblicos, pois percebe-se que o que fora exposto não teve relevância (apropriação) para os fieis. Repete-se, e repete-se os ensinos. Até que o referido pastor cansa de tentar convencer os ouvintes acerca das verdades bíblicas e dai começa até a questionar se realmente são “verdades”.

A LER pastoral se dá quando o pastor tem que ficar mantendo membros na igreja através de visitas sistemáticas aos fieis. A visitação faz parte do ministério pastoral, contudo, valer-se deste para manter membros na igreja é um convite à repetição mecanicista e desprovida de efetiva fraternidade. Repete-se as visitas com freqüência, pois se não visitar os membros embirram e vão para outra igreja ou “desviam”. Repete-se as visitas, pois as pessoas precisam ser mimadas para suprir um carência afetiva do nosso tempo. Repete-se, e repete-se as visitas. Até que o referido pastor cansa de repetir uma ação que julga ser apenas mecânica e dai começa a distanciar das pessoas.

A LER pastoral se manifesta quando em toda reunião de conselho, presbitério, diaconal, ou qualquer outra forma organizacional de governo eclesiástico, tem-se que ficar a repetir as mesmas orientações básicas. Quase que não precisa mudar a pauta da reunião: os problemas estruturais continuam os mesmos, o pessoal do louvor permanece insubmisso, na liderança dos departamentos sempre tem um líder que precisa ser exortado/corrigido e por ai vai... Ao que parece os problemas permanecem os mesmos, o que muda é somente o rosto dos envolvidos. Então, repete-se as reuniões de conselho para tomar as mesmas decisões que já tinham sido deliberadas. Repete-se as reuniões para reafirmar o que fora definido na reunião anterior. Repete-se, e repete-se as reuniões. Até que o referido pastor cansa de repetir as mesmas reuniões chatas/improdutivas e dai começa a tomar decisões isoladamente ou decide afastar do pastoreio para não ter que aguentar esta estagnação de maturidade coletiva.

A LER pastoral é real, e afeta os pastores de forma violenta, ao ponto de alguns não resistirem a tamanho desgaste intelectual, emocional e físico, não restando outra opção a não ser abandonar o pastoreio. Este intencional abandono não é sintoma de fraqueza, mas sim um suspiro de reverência, pois quando os tais pastores com LER pastoral se olham no espelho não conseguem ver alguém que esteja contribuindo com o Reino, por isto preferem sumirem, renegando a si mesmos ao campo da inutilidade. Estes reconhecem a visibilidade de suas patologias pastorais e não querem bandidar para o outro extremo se tornando super-pastores de platéias.

A boa notícia é que se a LER pastoral é provocada por uma rotina mecanicista que sufoca a essência ministerial, então, podemos combate-la através de um esforço coletivo (pastores, igreja e sistema). Talvez se houvesse mais intencionalidade em engajarmos nossas vidas no ministério; Talvez se nos dispormos a ser ao invés de fazer; Talvez se decidirmos congregar não esperando receber, mas sim em doarmos parte de nós; Talvez se pastorear não fosse um distintivo de diferenciação entre os irmãos; Talvez se pararmos de inventar desculpas; Talvez se começássemos a assumir nossas culpas... talvez...

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 11 de Setembro de 2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não quero meu culto fúnebre


“...o homem está destinado a morrer uma só vez...”
Hebreus 9:27 (NVI)

Aqui estamos outra vez, em diálogos com a Dona Morte – referência aos artigos do mesmo autor, intitulados: “em diálogos com a morte”, “palavras antes do adeus”, “morte, uma emancipação de Deus” (disponíveis no blog: seabravinicius.blogspot.com.br). Contudo, desta vez vamos voltar as nossas conversas iniciais e discorrer sobre nosso fúnebre encontro, que num fatídico dia se dará. E, como a morte só visita a mesma pessoa apenas uma vez em toda a vida, não havendo possibilidades de reencontro com a morte, então, quero valer-me das linhas que se seguem para conversarmos sobre o meu culto fúnebre – faço isto não por desejar a morte, mas sim por não saber em que dia vou morrer, então prefiro me antecipar, já que não será possível escrever sobre isto depois do nosso espantoso encontro.

A primeira observação que julgo relevante é mudar o nome do referido evento, nunca gostei do termo “culto fúnebre”. Culto não é digno para a Dona Morte, nem a mim, nem a minha desafortunada vida e nem aos nobres sobreviventes que choram. Culto não se confabula com a tristeza da morte – talvez por esta razão tanta gente hoje em dia não mais quer ir a igreja assistir um culto, pois já não se sabe se é fúnebre ou de celebração dominical, às vezes, ambos se parecem tanto. E ainda é válido questionar o termo usado anteriormente, assistir, pois oferecer culto é por definição incompatível com a confortável redoma de espectador. Não é possível assistir culto, nem fazer culto, ainda mais fúnebre. Culto só é possível quando a vida dos envolvidos extrapola a cerimônia e converge toda a história dos envolvidos para fins de glorificar ao Carpinteiro. Então, não quero meu culto fúnebre, apenas quero ser enterrado (encerrado). Afinal, a morte não é o fim, é uma pequena pausa de descanso rumo à eternidade.

Não quero meu culto fúnebre, porém como devo estar morto na ocasião, provavelmente meus familiares vão querem fazer tal aglomerado, e não tem como eu reclamar ou exigir nada, pois para todos os efeitos vou estar morto. Então, se os viventes insistem em fazer o meu culto fúnebre vou descrever algumas coisas que não toleraria nem morto, a saber: não quero que pastores discursem, pois esta pavonice de pastores amantes de microfones e plateias só ficam a narrar discursos decorados de textos bíblicos e frases de efeito (clichês). Falam as mesmas coisas quer seja no velório de um traficante ou num velório de um ativista social. Este tipo de discurso mecânico, impessoal e decorativo, dispenso do meu culto fúnebre. Quero que meus amigos de caminhada falem, que minha família tomem a homilia, que gente que me conhece de verdade façam os discursos.

Outra observação que julgo relevante para nosso glorian day, Dona Morte, é que não demore muito a me enterrar, pois passados alguns poucos minutos de velório, as pessoas começam a fazer grupinhos de conversa e esquecem que estão juntos para consolar os que ficam. Desta demora de ao pó retornar descortina a insensibilidade dos presentes que facilmente começam a contar histórias diversas, escambam a rirem e inevitavelmente vão fofocar, entre outras tantas ações que se visto numa foto seria tipo uns poucos chorando em volta do caixão e todo o restante esperando acabar a cerimônia para voltar a suas atarefadas rotinas. Nada mais ilógico/imprudente que reunir gente que não sabe chorar, entristecer ou sensibilizar-se para tal momento. Se querem fazer culto fúnebre que, então, estejam dispostos sentirem (solidarizarem-se).

Por fim, Dona Morte, se ainda sim insistirem em fazerem meu culto fúnebre quero deixar registrado aqui uma última sugestão. Que não seja feito dentro de uma igreja, não gostaria que as pessoas presentes associassem um lugar de vida com a referida cerimônia de morte. Que seja feito ao ar livre, mesmo que no próprio cemitério, acredito que esta reconexão com a natureza é terapêutico para os que permanecem vivos. Ouvir pássaros cantando, sentir o toque suave do vento, perceber a singeleza das árvores é reconfortante aos que tiveram perdas – este seria um culto silencioso, escutado apenas por Aquele que escuta corações. A ideia é boa, pois, iniciamos nossas vidas entranhados com a natureza (Jardim do Éden) e o Criador, nada melhor que encerra-la ali mesmo.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 16 de Agosto de 2014

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Aos que reconhecem a própria dor


“Disse o Senhor: De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, e também tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo”.
Êxodo 3:7 (NVI)

Há uma frase que comumente é atribuída a William Shakespeare, em que afirma: “todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”. Sendo assim, há dores que insistem em nos perseguir por anos a fio, outras tantas parece transporem a linha temporal da vida. Discursar acerca da dor do outro não faz sentido, pois não é sentido (trocadilho linguístico proposital). Dor, tristeza, angustia, decepção, frustração, silêncio, sofrimento, e outros desafortunados distintivos assolam a humanidade desde os primórdios. Estranhamente, a igreja fez destas desventuras algo demoníaco, o que só favorece a desilusão e a desesperança daqueles que tem suas histórias manchadas por vazios. Não precisamos ter respostas para tudo, nem carece de transferir responsabilidades aos seres espirituais, tentando dar explicações simplistas a cousas complexas, tipo clichês igrejeiros. O que precisamos é aprender a escutar o agir silencioso do Carpinteiro.

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem a mãe que sofreu um aborto espontâneo, perdendo seu filho(a) ainda informe no ventre. Esta, agora, entende que para amar não precisa conviver muito tempo com, não há necessidade de conhecer muito sobre, não carece de grandes momentos para, esta desafortunada, enfim, descobre que amar é um dom que aflige os que são tomados de tamanha virtude. Esta foi mãe, mesmo nunca tendo visto seu filho(a), e ser mãe não se conjuga com o estado passado, ou seja, é impossível ser ex-mãe. E está é uma dor que torna-se indivisível consigo mesma. A única, e suficiente alegria, que pode sobrepor tamanho vazio é a certeza axiomática de que pelos breves dias de existência, ainda no ventre materno, este pequeno ser, desfrutou da maior grandeza dada aos mortais, ser desenhado de forma admirável pelo o Autor da Vida, e saber então que: “os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir” – Sl. 139:16 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem aqueles pais que tem que enterrar seus filhos. A lógica da vida é que filhos enterrem pais, não o contrário. Para estes a dor da perda soa como a interrupção de uma jornada com infindáveis possibilidades, que agora não passam de tristes lembranças do que se perdeu. Tristeza que assola os rincões mais distantes dentro do coração. Para estes pais, órfãos de filhos, a morte não é mais um tragédia absurda, mas sim um encontro desejável, crendo que além dos limiares da vida poderão reencontrar com a prole que se foi e, então, novamente abraçar, acariciar, conversar, debruçar, afagar, completando-os novamente em suas histórias eternas. O consolo para os tais parte do pressuposto que Deus (Pai) sabe o que é amar um Filho (Jesus), e então: “que o próprio Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e boa esperança pela graça, dê ânimo aos seus corações e os fortaleça...” - 2 Ts. 2:16-17 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem aqueles que foram assombrados pelo desaparecimento de um(a) filho(a). Diferente do caso exposto no parágrafo anterior, agora estes convivem com a perturbadora dúvida da vida ou morte. Para estes as noites nunca mais significarão descanso, jamais serão de sonhos, não mais será possível sorrir como outrora. O desaparecimento de um ente querido não encerra a história, apenas a torna suspensa. Sendo assim a história subsequente não mais tem continuidade, tudo perde o valor. Nada mais tem significado real. A dor de não saber o que aconteceu (ou o que está acontecendo) é extremamente sufocante. Esta é a dor da impotência do que somos. Não longe dai, deste lugar de desconsolo pleno, ouve-se o sussurro do Carpinteiro que insiste: “venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. (...) vocês encontrarão descanso para as suas almas” – Mt. 11:28-29 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto nós, agora, sabemos muito bem, pois sentimos dor.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Agosto de 2014

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Crise teológica e outras denúncias


“Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho. Que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo”.
Gálatas 1:6-7 (NVI)

A teologia em solos tupiniquins nunca foi algo de grande prestígio nos púlpitos evangelicais, especialmente após a ascensão dos revelamentos e descoberta dos “dons especiais”. Dá-nos a impressão que estudar teologia é algo arcaico, ultrapassado e desconexo com a religiosidade exigida entre os brasilianos modernos. E, não poucas vezes a teologia fora relegada a apenas uns poucos eruditos eclesiais que ocupam cargos de liderança. O resultado imediato foi uma elitização da teologia. Sendo assim, o que restou para as multidões de crentes brasileiros fora um distanciamento gradativo e irreversível. Estamos, então, assistindo o suicídio da teologia – digo suicídio e não morte, pois somos co-responsáveis pelo estrangular da teologia no Brasil.

Há várias crises que culminaram no espetáculo do suicídio da teologia, a saber: A venda de diplomas. Não era comum ouvirmos falar de venda de diplomas de teologia, porém a religião evangélica mudou, e a grande maioria das igrejas exige dos aspirantes que se tenha pelo menos o básico em teologia (apesar de estas próprias igrejas não gostarem do estudo da teologia). Por conseguinte, a igreja, de forma desordenada e imediatista, avisa os candidatos ao episcopado poucos meses antes da ordenação. O que força, inevitavelmente, os pretensos candidatos a terem que negociar um curso de teologia com duração de não mais que semanas, mas com um diploma “equivalente” a anos de estudos. E, isto é uma forma legalizada, aceita e velada de venda de diplomas de teologia.

Outra crise que germinou entre os campos da teologia foi o fato de que ser teólogo dá direito de prestar concurso para capelão da Aeronáutica, Exército ou Marinha (entre outros) com salários de aproximadamente 6.000 reais (seis mil reais). Nada teríamos a depor contra tal fato senão pela notória percepção de que nas salas de aula dos Seminários muitos não querem aprender teologia, o que querem é o diploma para prestar o concurso de capelão. Para estes, teologia é apenas um obstáculo no percurso rumo à estabilidade financeira. Estes escolhem a teologia por ser um curso com uma grande flexibilidade de notas e gigantesca tolerância aos trabalhos acadêmicos, ou seja, mesmo sendo um péssimo aluno provavelmente conseguirá o diploma.

Outra crise sutil que borbulha na teologia hodierna é a substituição dos Seminários por cursos ministeriais na igreja local. Até por volta da década de 1970 era comum encontrar as salas de Seminários com mais de 40 alunos, gente de diversas denominações que compartilhavam aspirações no serviço ao Reino. Entretanto, com o advento das inúmeras igrejas independentes os pastores ficaram com medo de perder membros e, então, tiveram a terrível idéia de criar seus próprios Seminários. Que na verdade não eram Seminários, eram cursos ministeriais com a intenção clara de formatar lideres segundo seus próprios corações. Desta forma inúmeras pessoas pensam que estão estudando teologia, mas na verdade estão apenas sendo adestrados religiosamente.

O currículo do curso de teologia é outra crise que merece destaque. A estrutura básica de um curso de teologia perpassa por: teologias sistemáticas (doutrina do pecado, homem, anjos, Espírito Santo, entre outras), análises dos livros da Bíblia (Antigo e Novo Testamentos) e estudo de ciências paralelas (psicologia, sociologia, português, entre outras). Posto desta forma era inevitável que o curso tivesse algo entorno de três anos de duração. Contudo, alguns Seminários espalhados pelo Brasil resolveram “revolucionar” (estragar), e reconfiguraram as estruturas curriculares. Numa pesquisa informal feita pela internet aos diversos Seminários percebe-se que agora o curso de teologia preocupa-se com outros saberes, como: Leis de Trânsito, História do Direito, Comunicação e Marketing, Batalha Espiritual, Vida do Líder, Obediência e Autoridade (por questão de ética não citarei os Seminários com esta estrutura curricular, porém sugiro ao leitor pesquisar na internet e comprovar tal fato – inclusive preste atenção na carga horária das disciplinas).

A lista de crises na teologia brasileira beira ao interminável, portanto, com fins a continuar nesta saga de repensar a teologia tupiniquim sugiro a leitura de outros artigos disponíveis no blog (seabravinicius.blogspot.com.br), tais como: “Teologia é do capeta (!?!)”, “A igreja anti-teologia” e “Entendendo o analfabetismo bíblico do Brasil”. Finalizo na esperança de que se a desmoralização dos cursos de teologia fora um ato intencional “nosso” (igreja brasileira), então, igualmente podemos lutar para resgatar uma teologia útil, bíblica e coerente.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 21 de Julho de 2014

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Deus, uma kombi e vários "se"


“...se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo”.
Tiago 4:15 (ACRF)

No dia 21 de Junho de 2014 tivemos o infortúnio de perdermos a Kombi (2013/2014) de nossa Instituição (Missão Tocando as Nações) para dois ladrões que, a mão-armada, levaram a Kombi para algum lugar desconhecido por nós. Deste fato horrendo, a semelhança das coisas do gênero das (des)graças, suscitou vários questionamentos, dúvidas e inquietações. Frases estas que quando verbalizadas sempre vinham com o perturbador “se”. E desta ausência material (Kombi) vagueamos nossos corações entre Sherlock Holmes, mãe Diná e Capitão Nascimento. Nos hiatos existenciais entre desesperança e fé, frustração e soberania de Deus, percebe-se nossos medos teológicos, desnuda nossa visão de Deus e ratifica nossas percepção sobre o Cristianismo. Tudo depende de onde colocamos o “se”.

Se Deus estiver querendo nos ensinar algo... Esta é a principal via quando somos assolados por perdas. Temos a visão de um Deus que se assemelha a um rígido professor que ensina pela perda, pela dor e pela palmatoria. Deus este que sempre está a ensinar uma lição de vida, uma frase de efeito, um jargão para ser guardado. Então, desmistificando esta posição, e contrariando o senso-comum cristão, Deus sempre está nos ensinando, não apenas quando perdemos, mas principalmente quando ganhamos. Deus é o professor por excelência e nos ensina no cotidiano, nas coisas simples da vida. Só não vê isto quem ainda espera o dia da prova como auge do ensino, para estes tudo se limita às provas.

Se Deus estiver pesando a mão... Esta é uma posição não muito rara, porém pouco verbalizada, pelo menos na frente dos envolvidos na trama do roubou. Para estes “The Avengers” (referência ao filme da MARVEL, 2012) Deus é mais que um cruel professor, é acima de tudo um vingador perverso. Para estes o mal é bem visto, principalmente porque aconteceu com o outro. Aqui desnuda o nosso mais vil evangeliquês que sempre acredita que Deus está pronto a punir o outro, que sempre é o outro o grande pecador, que o outro é alvo da ira desenfreada de Deus. O que está por detrás desta afirmação é a super espiritualidade destes que resumem toda coisa ruim na frase “Deus está pensando a mão”. O irônico é quando a coisa ruim acontecem a estes, dai a frase muda é fica assim: “foi o Diabo quem fez isto”. E é dai que sai o próximo “se”.

Se foi o Diabo quem roubou a Kombi para atrapalha a obra de Deus... Como dito no parágrafo anterior, geralmente quem verbaliza está afirmação o faz acreditando na seriedade e comprometimento cristão dos envolvidos no desfortúnio. Esta parece ser uma confortável argumentação, principalmente por creditar ao Diabo todo mal e sorrateiramente supervalorizar homens. Então, esta é uma argumentação no mínimo perigosa. Atribuir tudo ao Diabo é fuga de responsabilidade, tentativa de demonizar os fatos e propagar uma cultura de raiva (guerra) – tudo isto ofusca a beleza da ação de Deus que age na história de forma nada lógica ou consensual. Pior ainda é acreditar que nós somos importantíssimos (imprescindíveis) na obra Deus e que agora, sem a Kombi, tudo está prejudicado – isto sim é infantilizar a fé, pois esquecem que Deus é maior que a obra, se esquecem que para Deus nada é impossível, e , esquecem que Deus é o maior interessado na continuidade da expansão do Reino.

Se a Kombi tivesse seguro ou rastreador... Esta também é uma das vias mais comuns de argumentação. Ouvir tal questionamento de quem não convive com o dia-a-dia da Missão Tocando as Nações é até entendível, mas o estranho é perceber tal construção entre aqueles que convivemos. A Missão Tocando as Nações é uma Instituição pequeninhinha, nunca recebemos nenhum tipo de verba governamental ou de empresas privadas, todo o nosso sustendo se dá por ofertas voluntarias e recebimentos de alunos em nossos cursos. O resultado é que vivemos numa dificuldade financeira de proporções gigantescas. Pagar uma conta de luz é quase viver um milagre, pagar a conta do telefone é da ordem do mistério, colocar combustível para ir aos projetos é sempre uma aventura. Então, termos condição de pagar seguro ou rastreador é quase uma fusão mística-cósmica. Ah! Só a título de informação, a referida Kombi foi um presente que ganhamos, pois não tínhamos (nem temos) dinheiro para comprar Kombi.

Se a Kombi tivesse bloqueador resolveria o problema... Esta é uma afirmação tanto quanto controversa. O bloqueador pode ser uma boa solução para evitar o roubo, porém no nosso caso o roubo se deu na porta da casa de um integrante de nossa Instituição, o que poria em risco a família deste, pois os ladrões sabem onde ele mora e com certeza voltariam, e acredito que não seriam gentis. Tanto o postulado do seguro, como no caso do rastreador, e ainda na ausência do bloqueador, são soluções possíveis, que poderíamos ter tentado fazer uma vaquinha e pagar os referidos custos. De fato neste caso fomos omissos (mesmo com a realidade financeira exposta no parágrafo anterior). Milagre por milagre já vemos isto todos os dias, mais um não seria novidade. Contudo, o que se descortina destes dois últimos parágrafos são dois perigosos postulados: 1) de que precisamos culpar alguém quando as coisas dão errado; e, 2) acreditar que tudo se resume á esfera humana. Ao contrário dos primeiros “se”, aqui Deus parece estar longe.

Basicamente estes são os clássicos “se” que ouvimos e proferimos. Se há verdade em cada um destes “se” o tempo nos dirá. Ao que parece o problema está no fracionamento de Deus nas posições anteriores, dificultando perceber uma ação divina mais completa e complexa. Por esta razão, aventurarei propor nos próximos parágrafos outros “se” que beiram ao ilógico, utópico e a heresia. Contudo, já que este espaço fora reservado para tantos “se” porque não tentar vislumbrar algo fora do comum. Meio que tentando tatear algo mais nobre na (des)graça. Tentar perceber mais de Deus nesta história que a nós é da ordem do horror, mas que pode ser uma bela obra de arte do Autor da Vida. Tentar encontrar mais perguntas que despertem o interesse por Deus, do que encontrar respostas prontas e requentadas de uma religiosidade que cheira ao humano.

Se esta foi a vontade de Deus... pura e simples, sem explicações, sem lições ou sem moral. É fato que nos perdemos muito em tentar responder as ações de Deus. Temos que reconhecer que quase sempre não entendemos o que Deus está fazendo. Os intentos dEle são infinitamente superiores ao nosso, e Ele não tem que ficar explicando nada para nós, humanos. Ele rege a história como lhe apraz. Deus não está brincando de charadas, em que nós temos que ficar criando respostas por tentativa e erro. E, por mais que soe entranho, temos que admitir a possibilidade de Deus ter sido o protagonista do roubo da Kombi por razões que acredito nunca entenderemos. Quem sabe, fico apenas a imaginar, se com este roubo aqueles ladrões vão de alguma forma se encontrar com Cristo, e então, o roubo da Kombi se torna insignificante e ao fim tenha a Kombi se tornado mais útil ao Reino.

Se este roubo na verdade foi é um livramento... O fim desta história poderia ter sido pior, poderia estar escrevendo sobre a morte do condutor da Kombi, ou quem sabe relatando sobre visitas a UTI de um hospital. Então, por esta razão, este seria o momento oportuno para dar graças a Deus por ter sido apenas a Kombi a vitimada. E por mais que não se diga por ai, pessoas ainda são mais importantes que coisas. Após uma semana do roubo parei para analisar as interpelações dos que recebiam a notícia que a Kombi havia sido roubada, e poucas foram as pessoas que interromperam o discurso perguntando se alguém se feriu (inclusive eu mesmo não fiz este questionamento no momento que recebi a trágica notícia). É perceptível a diferença entre o desespero dos que restringem a informação ao fato da Kombi ter sido roubada, e o suspiro de alívio dos que percebem que ninguém se feriu.

Se o roubo da Kombi fora para novamente nos angustiarmos pela compra de outra... Digo angustiar, pois para comprar a nossa primeira Kombi em dezembro de 2009 (Kombi usada, muito usada – 2000/2000, R$ 15,000.00 reais) tivemos que fazer por mais de um ano rifas, cantinas, jantares, pedir ofertas publicamente, nos humilharmos (na época pessoas postaram no site dizendo que era vergonhoso o que estávamos fazendo, pedindo dinheiro para a compra de uma Kombi - entre outras forma de depreciação de nossa incapacidade financeira). Angustiar, pois já fazia quase um ano que estávamos tentando comprar outra Kombi quando a primeira pifou de vez (julho de 2013). Angustiar porque ficamos meses em silêncio sem saber o que fazer, quando inesperadamente recebemos de presente uma Kombi nova, zero km, tirada da concessionaria em novembro de 2013 (Kombi esta que foi roubada em junho de 2014). Angustiar por ter que outra vez depender da generosidade dos irmãos. Angustiar por mais uma vez ter que esperar a ação de Deus. Angustiar por não saber o que fazer. Angustiar por ter que esperar.

E por fim, se tudo que escrevi neste texto não seja o que de fato é... Disto não saberemos por agora. Somos pessoas finitas que olham para os fatos a partir de nossas experiências e de como entendemos que Deus se relaciona. E nisto, não temos certezas, apenas especulações. Deus não é muito dado a revelar o que Ele está fazendo, não que isto deponha contra Ele, pelo contrário, isto só denuncia que “...os meus [de Deus] pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus [de Deus] caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus [de Deus] caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus [de Deus] pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” - Isaías 55:8-9 (ARCF) – destaque do autor.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 30 de Junho de 2014