terça-feira, 30 de julho de 2013

Deus além das igrejas


“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas”.
Atos 17:24-25 (NVI) 

Deus extrapola os arraiais evangelicais. Não existe nenhum lugar do mundo que Ele não possa atingir, não há lugar distante demais que não possa se manifestar e não há limites que Ele não possa transpor, pois como afirma CHAMPLIN: “(...) Deus exerce autoridade absoluta, amoldando todas coisas e todos os acontecimentos à semelhança do que o oleiro faz com o mesmo monte de barro amassado”[1]. Compreender a graça comum é apreender sobre um Deus que age dentro e fora da igreja.

A boa notícia é que o Oleiro não se limita aos Seus para agir, pois como Ele é o Criador de todas as coisas seria no mínimo estranho reduzir o Seu operar apenas às igrejas. O fato de admitir que Deus não se restrinja a igreja para agir não é uma tendência ao ecumenismo[2] ou sincretismo[3], mas sim um vislumbre da maravilhosa (e assombrosa) graça comum. A graça comum admiti que o Criador fez todas as coisas que existem e que não há limites para a ação dEle. Entretanto, é válido, previamente ressaltar que, este tipo de graça não contempla a salvação, mas sim a grandiosidade da manifestação de Deus.

A proposta da graça comum reforça o pressuposto da soberania de Deus, um dos mais importantes princípios norteadores da vida cristã. Sendo Deus, completo em si mesmo, decidiu fazer da criação Seu palanque particular; fez do universo uma demonstração da grandiosidade do Seu ser; e fez do ser humano a Sua obra prima. Como endossa GRUDEM: “(...) devemos afirmar que a criação do universo foi um ato totalmente voluntário da parte de Deus. Não foi um ato necessário, mas algo que Deus decidiu fazer (...) Deus desejou criar o universo para demonstrar a Sua excelência”[4].

O ponto importante acerca da graça comum é entender que por mais que a Igreja exista para ser a representante de Deus na Terra, não quer dizer que as igrejas tenham o direito de limitar da ação dEle às igrejas, como que se Deus fosse uma propriedade eclesiástica gospel. Entender o compasso da graça comum ajudará os cristãos a viver um Cristianismo que não supervaloriza as coletivas manifestações eclesiais como únicas formas de manifestação de Deus. Deus se dá a conhecer nas mais diversas formas e nas mais inesperadas maneiras.

O século XXI tem desnudado algumas igrejas brasileiras antagônicas ao princípio da graça comum, pois são megalomaníacas, apaixonadas por templos e com discursos de aprisionamento de Deus. Isto é notório quando na oração de abertura do culto dominical se ouve algo do tipo: “Senhor, na Tua presença...”, ou expressões como: “estamos aqui na Casa de Deus”. Estes confundem religião judaica com religião cristã. Ambos os movimentos religiosos, mesmo tendo as mesmas raízes, são diferentes doutrinariamente e não poucas vezes antagônicas em suas práticas.

Na perspectiva do judaísmo bíblico Deus habitava num lugar restrito, no Templo, mais nomeadamente no Santo dos Santos, e mais especificamente dentro da Arca da Aliança. Contudo, quando Cristo morreu na cruz o véu que separava Ele e as pessoas foi rasgado, fornecendo livre acesso a todos. Isto é reforçado pelas palavras de Paulo: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens...” (cf. At. 17:24-25 - NVI). Contemporaneamente, o compositor João Alexandre endossa tal premissa: “...Deus não habita mais em templos feitos por mãos de Homens; Deus não será jamais acorrentado às paredes de uma Religião; (...) Deus não será jamais enclausurado na escuridão de quem ainda tem um coração de pedra...[5].

A crença de que Deus reside/habita exclusivamente dentro da igreja é falha quando confrontada pelo princípio da onipresença dEle, porém perfeitamente aceitável sob a ótica da graça comum. O atributo incomunicável[6] de Deus, denominado de onipresença, assegura que Deus não é em forma corpórea, portanto, Ele está presenta em todos os lugares simultaneamente e indiscriminadamente. O que muda é a sua forma de presença, ora confortando os corações, ora produzindo arrependimento, entre outras formas. Assim, Deus está presente dentro da igreja da mesma maneira que Ele O está do outro lado da rua da igreja.

No Judaísmo bíblico as pessoas aguardavam ansiosamente os dias do ano para peregrinarem[7] rumo a Jerusalém e ali se encontrarem com Deus, por isto a euforia do salmista quando exclamou: “Alegrei-me com os que me disseram: Vamos à casa do Senhor!” (cf. Sl. 122:1 - NVI). Contudo, após o advento do Cristianismo é no mínimo heresia admitir que Deus habite dentro da igreja, pois como defende GRUDEM: “...Deus é ilimitado ou infinito com respeito ao tempo, e também é ilimitado com respeito ao espaço (...) Deus não tem tamanho nem dimensões espaciais e está presente em cada ponto do espaço com todo o seu ser; ele, porém, age de modos diversos em lugares diferentes”[8] – isto é a graça comum do soberano Deus que indivisivelmente é onipresente.

A confusão religiosa[9] entre Judaísmo e Cristianismo fez com que os líderes eclesiásticos, impulsionados pelo pressuposto errôneo de que a igreja local é a Casa de Deus, apaixonassem-se por construção de mega templos. Estes que tentam aprisionar Deus à beleza e à suntuosidade dos templos o fazem sob o argumento de que Ele merece o melhor – como que se o Senhor do Universo se impressionasse/encantasse com paredes, arquitetura, tecnologia e conforto. Esta neurose megalomaníaca por templos revela a fragilidade da vida cristã destes evangélicos, pois ainda insistem em materializar a fé ao invés de vivencia-la e intentam agradar a Deus com tijolos ao invés serem pedras vivas (cf. 1 Pe. 2:5). 

Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
___________________________________
Artigo escrito em: 28 de Julho de 2013 


[1] Russel N. CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, p. 313. 
[2] O termo ecumenismo refere-se ao apoio coletivo entre as religiões com fins sociais, não há interferência ou união de aspectos doutrinários. 
[3] O termo sincretismo refere-se à união doutrinaria entre diversas religiões congêneres ou paradoxais. 
[4] Wayne GRUDEM, Teologia Sistemática, p. 206 
[5] Esta estrofe foi retirada da música Coração de Pedra escrita e cantada por João Alexandre (álbum: Voz, Violão e Algo Mais, 2002, Estúdio Voz e Violão). 
[6] O termo teológico descrito como atributos incomunicáveis se refere as características especificas de Deus que não são partilhas com a humanidade (i.e. com criação), por exemplo: imutabilidade, onipresença, onisciência, onipotência e etc. 
[7] Os salmos de número 120 ao 134 são conhecidos como “os Cânticos de Romagem”, expressão esta utilizada para referenciar aos salmos que eram na verdade cânticos de peregrinação enquanto o povo caminha rumo ao Templo em Jerusalém. 
[8] Wayne GRUDEM, Teologia Sistemática, p. 121. 
[9] Esta confusão religiosa é fruto da ausência de estudo teológico e bíblico, algo muito comum no contexto brasileiro, pois ainda há muitos que julgam o estudo como algo demoníaco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário