“Que grande inutilidade! diz o Mestre. Que grande inutilidade! Nada faz
sentido! O que o homem ganha com todo o seu trabalho em que tanto se esforça
debaixo do sol?”
Eclesiastes 1:2,3 (NVI)
Eclesiastes 1:2,3 (NVI)
Ontem (1° de
Maio de 2013 – Dia do Trabalhador), a presidente Dilma Rousseff fez, como é
costumeiro, o discurso para os trabalhadores brasileiros. E, como não poderia
ser diferente, discursou com um sorriso peculiar aos comerciais de Bancos e com
um otimismo utópico e até folclórico. Acredito que o referido discurso deva ter
bases estatísticas comprováveis e fundamentação em pesquisas reais, mesmo que
ao assistir o pronunciamento fiquei a perguntar que país é este que esta
presidente se refere com tanto entusiasmo. Digo isto não desmoralizando a
presidente e nem as pesquisas que embasaram seu lúdico discurso. Minha
indagação e indigestão se dão pelo fato de que não é este o Brasil que eu vejo
diariamente – não que isto torne a homilia presidencial errônea, são apenas
brasis diferentes, muito diferentes, estratosfericamente diferentes.
A primeira
inquietação se dá a partir das pesquisas que embasaram o discurso de Dilma.
Obviamente que não tenho acesso as mesmas fontes, e nem precisaria para afirmar
o que farei. Há questões que precisam ser respondidas sobre as pesquisas,
perguntas do tipo: quem fez a pesquisa? Se o governo financia uma pesquisa
sobre si mesmo é no mínimo questionável e tendencioso – não digo que forjam os
dados, digo que estes não tem imparcialidade necessária para interpretar os
dados. O que me preocupa não são os resultados da pesquisa, mas sim sua
interpretação e intenção interpretativa. Outra questão: Aonde foram feitas as
pesquisas? O Brasil é territorialmente imenso o que faz surgir vários brasis
diferentes, contraditórios e paradoxais. Fazer “médias matemáticas” pode não
ser um caminho viável, pois exclui e mascara as fragilidades dos marginalizados
e das minorias étnicas-sociais. Por isto ratifico, pesquisas são importantes
para diagnósticos, mas é preciso pesquisar
as bases da pesquisa.
Pelo exposto
no parágrafo anterior arriscarei a descrever o Brasil de cá. A Dilma afirma que
melhoramos a qualificação acadêmica de nossos trabalhadores. Ela deve se
referir a mais gente ter curso superior, se for isto, a afirmação está
coerente. Contudo, se a intenção for afirmar que mais gente tem qualificação,
que mais pessoas têm competências conceituais, que mais gente está preparada
para o mercado de trabalho... se for isto, ai tenho minhas convictas dúvidas. O
MEC tem autorizado cursos superiores de um ano de duração, que devido as férias
dão na verdade apenas 10 meses – a duração em si não é o problema, pois este
tempo bem estudado, com boas referências bibliográficas e com discentes
comprometidos academicamente, talvez, daria certo nos padrões da objetividade
moderna. Este comentário se aplica também a Educação a Distância, que em sua
maioria tem provas e questionários avaliativos infantis e decorativos. Outro
problema neste viés é que parece que não se pode reprovar mais alunos. Nas
Instituições Privadas reprovar a aluno é convida-los a desmotivar nos estudo
(frágil ser estudantil) e provavelmente desistir (ameaça e melodrama
financeiro) – leia-se perca de receita. Nas Instituições Públicas as
reprovações agregam índices numéricos que interferem diretamente no
redirecionamento de verbas publicas, benefícios governamentais e eleições
internas.
O fato de
ter mais pessoas com curso superior não nos torna um país melhor, não
necessariamente. Ainda tem que se questionar o nível acadêmico-social em que
nossos alunos estão chegando às Universidades. Em nossa peregrinação fraterna
por meio de nossa Organização não Governamental (Missão Tocando as Nações)
temos acompanhado alunos da educação infantil e juvenil em comunidades em
estado de vulnerabilidade social. Neste Brasil de cá em que convivemos é normal
encontramos jovens de 16 anos que não sabem ler, nem escrever, muito menos
interpretar textos – mesmo estando frequentando a escola; por aqui é comum
crianças que só sabem folear um livro para encontrar um resposta óbvias e
acrítica para perguntas sem sentidos; no Brasil de cá o “mais educação” é
apenas uma bola no pátio para distrair crianças que os pais não querem tolerar
o dia inteiro; neste Brasil de cá é normal escutar pais exortarem a escola a
não passar atividades para casa, pois segundo estes, lugar de estudar é na
escola não em casa. Dai, como que num soluço do destino, estes aparecem na
educação superior, e provavelmente terminaram o breve curso superior com as
mesmas deficiências – e assim vão trabalhar.
Há outra
questão no discurso da Dilma que merece atenção especial é o fato de orgulhar
dum país com aumento nas contratações no regime da CLT – Consolidações das Leis
Trabalhistas – ou seja, trabalhar de carteira assinada. No Brasil de cá existe
os dois universos, ambos com seus desafios antagônicos. Tem aqueles que
conseguiram emprego com carteira assinada, mas não porque o empregador valoriza
o empregado e nem porque o Brasil melhorou, é que para cá não assinar a
carteira é dar margem para o trabalhador processar a empresa, fato comum já que
por não haver documentação comprobatória se corre o risco de perder muito mais
dinheiro num processo trabalhista, além de ter as possíveis multas que, às
vezes, faz sair mais caro não assinar a carteira do trabalhador brasileiro.
Também há para cá os que sonham com a carteira de trabalho, este são os
verdadeiros pobres tupiniquins, que por não ter escolha preferem topar qualquer
trabalho, em qualquer condição, a qualquer preço, pois precisam alimentar os da
família, para cá assinar carteira é uma utopia inviável – na maioria dos casos
de cá estes nem tem documentos pessoais como RG ou CPF – sendo assim nem existem para serem pesquisados.
De acordo
com a Dilma o salário do trabalhador melhorou, estamos, segundo ela,
erradicando a pobreza do país. Se tal proposição se refere ao quesito valor,
sim – especialmente para a maioria esmagadora de trabalhadores que recebem
apenas um salário mínimo, afinal todo ano o valor sobe. Entretanto, se tal
afirmação quis se referir ao poder de compra dos brasileiros, ai temos que
discordar invariavelmente. Esta política monetária de subir o salário mínimo
todo ano não ajuda a melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, pois os
produtos de necessidade básica, os serviços de entreterimento e o custo de vida
sobem muito mais que o mínimo estipulado. Dai o que dava para comprar no ano
passado não dá para comprar este ano, mesmo recebendo mais. Por esta razão, no
Brasil de cá, os pobres estão trabalhando mais, ganhando mais, porém não estão
conseguindo sobreviver. Temos assistido semanalmente famílias carentes que
mesmo trabalhando tem que desligar o chuveiro e tomar banho no frio para
economizar energia; famílias com crianças e adolescentes desnutridos e
raquíticos no crescimento físico, pois só conseguem comer uma vez por dia –
geralmente alimentos nada nutritivos. No Brasil de cá ganhar mais não significa
viver melhor.
Dilma, no
Brasil de cá muitas pessoas não chegam a votar, pois morrem assassinadas antes
de completar a maioridade. São mortas quase sempre por causa de drogas, que no
Brasil de cá está brotando da terra assim como o capim. São mães desesperadas
por verem seus filhos viciando, e que tem que conviver com o roubo de suas
próprias casas por seus próprios filhos para bancar o vício. São pais que de
tanta descrença em medidas públicas preventivas desistem de seus filhos e
enveredam pelos caminhos do alcoolismo – não sendo obviamente esta a única
causa. São meninos que descobrem muito cedo que no Brasil de cá roubar e
traficar dá mais dinheiro que ser honesto, e provavelmente não terão que viver
na miséria que seus pais coexistem. São meninas que muito jovem conhecem a
sexualidade precoce por meio da sedução dos coronéis do tráfico, preferem serem
usadas como objeto sexual a terem que mendigar o pão nosso de cada dia para os
reféns do mercado de drogas.
Dilma, no
Brasil de cá, assistindo você de lá, não consegui entender porque seu sorriso,
empolgação e entusiasmo – será que estamos no mesmo Brasil? De cá a pobreza não
é estatística, é verdade. De cá a desnutrição não é gráfico, é visível. De cá o
trabalho não é número, é raridade. De cá o analfabetismo não é índice, é
humilhação. De cá o ensino superior não é dígito positivo, é ser mitológico lendário
raro de se ver por aqui. De cá a prostituição infantil não é contabilizada, é
vivência. De cá o tráfico de drogas não são indicativo, é triste certeza da
morte precoce. De cá a escola não é sinônimo de educação, é um meio para
receber o “bolsa família”. De cá o Dia do Trabalhador não uma homenagem, é
apenas um dia de descanso, quando não o é dia de trabalho normal. De cá a fome
não é contábil, é triste som que ecoa diariamente no interior de vidas secas.
De cá o dinheiro não é qualidade de vida, é apenas manutenção dos carnês
intermináveis em lojas diversas. De cá o sofrimento não é representado nas
tabelas, é dura certeza de lágrimas que ensopam travesseiros. De cá... você,
Dilma, de lá... que tal vir para cá!
De cá é
muito diferente de lá! Por esta razão, de cá, alguns como nós da Missão Tocando
as Nações (entre tantas outras ONG’s, igrejas e movimentos sociais) escolheram
dedicar parte de suas vidas aos outros. Esperançosos em minimizar a dor de pais
que perderam seus filhos para as drogas; quem sabe diminuir as mazelas
existenciais de crianças que desde pequenas aprendem a se acostumar com a
pobreza; quiçá intentando tatear um pouco de alegria para estes filhos da dor;
eventualmente conseguindo tornar a vida menos caótica neste cenário de esquecidos;
insistindo em mostrar que o amor não é uma dádiva dos abastecidos, mas sim uma
opção acessível a todos; enfim, escolhemos os de cá sem nada ganhar com isto –
inclusive não queremos verbas governamentais (isto mesmo que você leu!), pois
temos aprendido a doar do que temos para que não sejamos assistencialistas
parasitas do governo que só ajudam quando estão mamando no Governo, pessoas que
fazem doação sem doar de si mesmo. Não somos contra receber verbas públicas,
mas não é isto que define nossa capacidade de doação – o fazemos por causa do
que somos.
Dilma...
Deve existir
este lugar que você discursou, espero que exista, precisa existir...
Mas, não é
este o Brasil de cá, definitivamente...
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 02 de Maio de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário