“Vocês comem a coalhada, vestem-se de
lã e abatem os melhores animais, mas não tomam conta do rebanho. Vocês não
fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem enfaixaram a ferida. Vocês não
trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas. Vocês têm dominado
sobre elas com dureza e brutalidade”.
Ezequiel 34:3-4 (NVI)
Ao longo das
épocas a igreja evangélica vai criando clichês
que em pouco tempo vão se tornando parte da doutrina eclesial comungada pelos
seus fieis e aplaudida pelos líderes. Contudo, muito destes chavões escondem,
imperceptivelmente, doutrinas heréticas que invariavelmente são maléficas a
qualquer manifestação evangelical. Um exemplo clássico deste tipo de expressões
é a: “pescar em aquário”. Tal jargão se refere ao fato de supostamente um
membro de uma igreja ser “convidado” para ir conhecer outra denominação. Neste
paralelo, o aquário refere-se à igreja, pescar alude-se a convidar, o peixe é o
simbolismo para membros, e, o pastor adquire a qualidade de senhor/dono destes peixinhos.
A fim de desconstruir
tamanha heresia que agride os pilares da Teologia Pastoral e que corroem as
premissas da Eclesiologia Bíblica será necessário postular inicialmente sobre o
ser pastor. Para tanto será necessário pinçar textos bíblicos, por serem estes a
base mais sólida acerca do ofício pastoral. Portanto, é válido degustar as
sábias palavras de Pedro: “pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus
cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus
quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como
dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho” – I
Pe. 5:2-3 (NVI). Da perícope em destaque fica notório que, às vezes, alguns
pastores tem confundido a responsabilidade de cuidar com o termo dominar (i.e. ser dono de). Apesar de os termos
serem em essência antagônicos em si, às vezes, na escuridão dos calabouços
religiosos se confundem/misturam e assim tornam a igreja num lugar de
aprisionamento ao invés de um totem de livramento (cf. Mt. 11:28-30).
Na saga de
repensar sobre o encargo pastoral frente ao “pescar em aquário” é importante
refletir sobre o conceito de mordomia cristã, que se aplica a todos da
cristandade, inclusive aos pastores. Desta maneira quebram-se os grilhões da
opressão, da manipulação e da ganância, pois na Igreja Invisível (i.e. numa perspectiva de Reino) todos os
cristão são despenseiros de Deus (cf.
I Co. 4:1-2) e devem zelar pelo próximo (cf.
Lc. 10:25-37). Na Eclésia dos Evangelhos o ser pastor é um convite ao serviço
que implica em humildade, rendição e dedicação. Contudo, mesmo com tamanha
responsabilidade não é dado aos pastores, desde os tempos bíblicos até a
contemporaneidade, o direito de serem donos de ovelhas (ou peixes). Acima de
tudo existe uma verdade inalterável: Deus é o supremo Pastor de todos os
cristão que, então, são ovelhas do rebanho dEle (cf. Ez. 34; I Pe. 5:4). Por esta razão ratifica-se o ministério
pastoral sobre o pressuposto da mordomia, ou seja, de cuidar, não de dominar.
O outro
termo que no clichê inicial carece de
atenção especial é o postulado de “aquário”. Os que comungam desta idéia partem
da proposição que cada igreja local é uma espécie de aquário, e aí reside o
núcleo do problema doutrinário que culminou na escrita deste artigo. A partir
do momento que as bandeiras denominacionais ficam mais evidentes que a Igreja
Invisível, fica então notório que há algo muito errado. Aqui é válido estacar
que, sem sombra de dúvida, a igreja é imprescindível para o cristianismo, porém
dicotomizar a irmandade separando-os por instransponíveis paredes
denominacionais é agredir o conceito de Reino de Deus e de Corpo de Cristo. Em
termos de relevância espiritual não existem duas ou mais igrejas, nem existe várias
facções evangélicas e nem grupos na cristandade. Existe apenas uma Igreja
(ênfase com o “i” maiúsculo), a verdadeira Igreja, a única Igreja (cf. I Co 8:6). Portanto, é anátema a
doutrina que prega uma divisão eclesial na forma de aquários, tornando os peixes
incomunicáveis entre si.
O levantar da
bandeira de supremacia denominacional é equivalente a dar os primeiros passos rumo
a terrenos escorregadiços duma pseudo
fé cristã que limita as orações aos seus, que estende as mãos apenas para os
arrolados como membros, e que socorre somente os conhecidos. Por esta razão é
imprescindível que, por meio da marreta da
defesa da fé, se quebre todos os aquários
pastorais e libertem os peixes para desfrutarem do Oceano de Deus. É necessário ratificar que não é as denominações em
si mesmas maléficas a cristandade, pois são apenas formas de organizar o povo
por afinidades e identidades. O aquário
denominacional só é maléfico quando estes suprimem a responsabilidade de
ser fraternal aos diferentes irmãos, e, quando ofusca dos fiéis a realidade de
um mundo desafortunadamente desesperado pela manifestação de cristãos além dos
vitrais. A presente crítica se concentra sobre o imperativo da Igreja ser maior
do que uma igreja, e assim responda aos anseios da sociedade de forma integral
e adenominacional.
Neste
universo de peixes em aquários um
triste cenário se despontava. Ali, enquanto muitos pastores perdiam tempo
construindo aquários, enfeitando-os
para que seus peixes não desejassem
outras águas; Enquanto muitos se valiam, erroneamente, do livro “floresça onde
está plantado” – autor: Robert H. Schuller (Betânia, 1984) – apregoando que
Deus não quer que “você” troque de
igreja; Enquanto muitos se irritavam por “perder” membros para outras
denominações, entendendo que os peixes eram seus
que estes não teriam sucesso em nenhum outro lugar; e, enquanto muitos bradavam
deter uma espécie de autoridade espiritual para abençoar os que estão dentro do
aquário e de amaldiçoar os que
ousavam pular fora. Neste ínterim, paralelamente a este cardume do gueto gospel, muitos peixes
morriam por causa das águas fétidas que entupiam alguns aquários, muitos peixes pequenos se submetiam aos grandes por causa do medo
espiritual, e o pior, muitos peixes pereciam
fora dos aquários por não encontrar outros peixes
que lhes anunciassem a Água Viva (cf.
Jo. 4:14).
Na perspectiva bíblico-cristã não se admite pastores
que sejam donos de peixes, como
também não se tolera aquários que faccione
o Corpo de Cristo. Portanto, tal expressão, “pescar em aquário”, é descomedida
aos valores cristãos e desnuda uma igreja desqualificada frente à
funcionabilidade do Corpo. Contudo, é evidente que sempre há tubarões que
insistem em apaixonarem-se por aquários e gastam seus ministérios em prol de
fazer espetaculares criadouros de peixes. Para estes o fim se estreita na
assustadora sentença: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no
Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos
céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu
nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então
eu lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que
praticam o mal!’ ” – Mt. 7:21-23 (NVI).
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 10 de Novembro de 2010
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