quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cadê a humildade que estava aqui?



“Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e amado, revistam-se de profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou. Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo perfeito. Que a paz de Cristo seja o juiz em seus corações, visto que vocês foram chamados a viver em paz, como membros de um só corpo. E sejam agradecidos”.
Colossenses 3:12-15 (NVI) 

Discorrer sobre humildade é sempre uma aventura. O problema inicial reside na essência filosófica do ser humilde. Perceba que quem é humilde não ousa ensinar sobre humildade, pois isto é conceitualmente contraditório. Então, quem é humilde não se preocupa em ser reconhecido como tal e tem profunda rejeição de serem rotulados com esta tamanha grandeza. Estes fazem isto não para serem vistos ou percebidos pelos que rodeiam, o fazem por simplesmente serem humildes. Portanto, aprender/ensinar sobre humildade é um desafio de projeções gigantescas, pois só de adjetivar alguém de humilde já se perde a essência do ser humilde. A situação agrava quando você pessoalmente olha para si mesmo e se juga como humilde, pois isto denuncia que tal característica não faz parte de seus atributos. Antagonicamente, os que não buscam reconhecimento se o fazem intencionalmente já se contradiz com a bendita busca da humildade, pois fazer algo para ser humilde é basicamente não ser humilde. O humilde não quer ser humilde, ele simplesmente o é. O humilde não faz nada para não aparecer, ele simplesmente não aparece. O humilde não contabiliza bondade, pois o faz naturalmente. O humilde não sabe que é humilde, pois ele é humilde.

O problema filosófico acerca da humildade destacado no paragrafo anterior dificuldade a continuidade da escrita deste artigo, pois se eu alcancei tamanha humildade ao ponto de ensinar sobre tal conceito isto desnuda que estou mui longe do que é ser humilde. Se contrariamente, reconheço que não sou humilde torna as linhas abaixo um ultraje desprezível até mesmo para os mais orgulhosos leitores, além de soar como um belo discurso farisaico. Ciente deste conflito eu seguirei a escrever sobre humildade não por tê-la como um de meus adjetivos, reconheço tamanha ausência – digo isto não para dar um tom de humildade neste texto, o faço por pura consciência de minhas desvirtudes. Contudo, seguirei nesta pensata sobre humildade como que tentando encontrar um lampejo de esperança acerca da transformação que o Evangelho pode fazer no interior de pecadores, que assim como eu, estão desafortunadamente necessitados de encontrar o Cristo que abale as bases do meu/nosso caráter. É ali aos pés da cruz que te convido a uma jornada de reflexão sobre perdas, fraternidade, amor, bondade, gratidão e perdão, ou se você preferir, substitua todos estes distintivos anteriores pelo termo “humildade”. É nesta busca que debruço meu orgulho, prepotência, maldade, arrogância e inveja. Se você é humilde o suficiente te convido a tolerar os próximos parágrafos. Se lhe falta humildade, então, te convido a uma jornada que, espero, encontremos a assombrosa Graça do Carpinteiro que insiste forjar humildade nos corações humanos. 

A humildade está na contramão da autossuficiência. O sentimento de autossuficiência surge da presunção de pensar ser mais do que o é, por isto Paulo adverte: “...digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito equilibrado...” Romanos 12:3 (NVI). Tristemente, não poucas vezes, a autossuficiência surge sorrateiramente a partir dos louvores dos outros que preferem impulsionar uns usando como combustível o elogio. Nada é mais corrosivo a humildade do que aplausos. Endossando esta premissa o compositor e cantor Valter Júnior, no álbum “Momentos e Canções” (1992), na canção “Pedro”, reflexiona: “Pensar ser forte foi o erro meu, apoiar-me em minhas próprias forças, desejei eu. Embasado em elogios, aplausos, qualidades, ilusão de quem é adulto, mas ainda não cresceu. Se eu me visse como o pó que sou fácil seria: O Mestre juntaria Sua saliva e, o milagre então, de milhares que o veria através de mim, se realizaria. Mas penso ser rocha e, ao fim, sou tropeço. Pedro também pensava assim. Pedro, Petros, Pedra. Puro engano. Pedro apenas pó (...)”. Por esta razão o Carpinteiro instruía alguns que após o milagre não dissesse nada aos outros (cf. Mt. 8:4; Mc. 1:44; Lc. 5:14).

A humildade requer renuncia sem retribuição. O anonimato é uma virtude dos humildes, que mesmo longe dos holofotes fazem mais que os astros que desfilam nos palanques da vida. No contexto de igreja isto também é válido de ponderação, pois, infelizmente, resumiram a fé em apenas dois ministérios, a saber: pregação e louvor – ambos ministérios enamoram existencialmente e indissociavelmente com as platéias. Contudo, ser Igreja é muito mais que discursar ou cantar, requer entrega, doação e abnegação – aqui se encontra todos os outros indispensáveis ministérios que fazem a igreja ser Igreja, e que subsistem por detrás das câmeras. Catastroficamente, muitos servem o Mestre com segundas intenções, quase sempre do gênero reconhecimento/retribuição. Estes confundem justiça de Deus com meritocracia, pois julgam que Deus tem que beneficiar os bons; confundem amar com tratar bem o próximo, pois afinal um dia pode-se precisar daquela pessoa. Confundem bondade com a lei da semeadura, estes fazem o bem não por caráter, mas por acreditar que num futuro terão a bondade retornável; confundem paciência com investimento, estes toleram o próximo não por causa do amor, mas pelo medo de perder aliados.

A humildade dispensa vestimentas de piedade. Às vezes, na jornada nos é fornecido um traje de piedade que vem pré-formatado com programas sociais. Ali, onde se estabeleceu um processo planejado de bondade todos ficam “iluminados” pela luz da humildade. Os pobres que recebem os donativos imediatamente olham para os abastados e deduzem que estes são humildes, pois se misturaram com os necessitados. Mas, ser piedoso na coletividade pode ser apenas um disfarce para acalmar os gritos da consciência que acusa acerca da injustiça social global – isto soa tipo Miss Universo com o previsível discurso pela “paz mundial”. Piedosos de verdade são aqueles que extrapolam os programas sociais e torna causa de vida a vulnerabilidade social, independente dos programas ou da coletividade. Entenda, humildade não vem em um kit de combate a pobreza com datas e horários a cumprir, não se pode ser humilde apenas por algumas horas ou dias previamente estipulados. Obviamente, que não estamos desmerecendo os esforços, porém não podemos confundir humildade/piedade com voluntariado. A piedade é uma característica cristã proveniente da Graça, como entoa o cantor Jesus Adrian Romeiro na canção “es por tu gracia” (álbum “El Aire de Tu Casa” – 2005): “Quando ninguém me vê, na intimidade. Onde não posso falar mais que a verdade. Onde não existem aparências. Onde meu coração está aberto. Ali sou sincero, ali minha aparência de piedade se vai. Ali é Tua graça que conta. Teu perdão é o que me sustenta para estar de pé. E não poderia continuar se não fosse revestido pela graça e justiça do Senhor (...) É por Tua graça e Teu perdão que podemos ser chamados de instrumentos do Teu amor (...)” – tradução livre.

Para finalizar este artigo valerei das palavras de Ricardo Gondim na celebre reflexão “Tributo ao humilde” – escrito em 05 de Abril de 2012, quando afirma: “Humildade e desejo de onipotência não combinam. Petulância não admite fragilidade, não reconhece limites, não aceita inadequações. O insolente nunca se dispõe imitar os passos de Jesus que, sendo Deus, não considerou apegar-se ao poder. Ele preferiu vulnerabilizar-se no amor (...) Humildade equivale a esvaziamento. O prepotente não consegue amar porque não sobra espaço em seu mundo. Só ama quem abre mão de controle e se deixa invadir pela companhia do outro. O humilde busca esse bem querer feito de renúncia. Ele sabe da impossibilidade de coerção e amor se misturarem. O pretensioso vive inflexível, impaciente e raivoso. Sua vontade deve prevalecer a qualquer custo. O humilde não se envergonha de recuar. Derrotas não representam para ele fracassos pessoais; insiste em não reprimir com violência. Sem se impor, o humilde não se vê esmagado pelas frustrações. O humilde é discretíssimo e elegante. Prefere esconder dos olhos o que as mãos fizerem. Nunca se acostuma com ovações. Assim, quando nutre o desejo de perseguir a humildade, ninguém percebe; e quando escreve, sabe que está longe de tê-la alcançado (...)”.

Por tudo isto, humildemente me despeço de você leitor, torcendo para que nós, em algum dia, sejamos surpreendido pelo Autor da Vida com a sentença: “...minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”, e seguidamente concluir como Paulo: “...Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim” –  2 Coríntios 12:9 (NVI).

Fortalecido pela cruz de Cristo,  
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 02 de Janeiro de 2013

2 comentários:

  1. Olá querido!! Que benção é poder ler seus textos, sempre me edificam, que o Senhor continue trabalhando em suas fraquezas pra que continue sendo benção!! Nossa quando eu era criança escuta essa música "Pedro, Petros, Pedra..." me emocionei ao descobrir quem canta e em poder ouvi-la novamente!! Obrigada!!! E a tradução da música do Romero está muito boa!!
    A Paz do Senhor!

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  2. Ola, Jessica. Agradeço pelo incentivo. E é sempre mui gratificante saber que os textos tem sido relevantes para a jornada de outras pessoas. Sobre a música "Pedro" (de Valter Júnior), realmente é um clássico, merece que voltemos a canta-la em nossas igrejas.

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