terça-feira, 23 de outubro de 2012

Aos Saul’s: reinando ainda que rejeitados por Deus



 “...Por que você não obedeceu ao Senhor? (...) Assim como você rejeitou a palavra do Senhor, ele o rejeitou como rei (...) Agora eu lhe imploro, perdoe o meu pecado e volte comigo, para que eu adore o Senhor (...) O Senhor rasgou de você, hoje, o reino de Israel, e o entregou a alguém que é melhor que você...”
1 Samuel 15:19,23,25,28 (NVI)

A história do rei Saul desnuda uma intrigante inquietação acerca do caráter de Deus, ao mesmo tempo em que provoca uma imprescindível releitura na cosmovisão do cristianismo na contemporaneidade. Percorrer a jornada de Saul é descortinar uma nova, solitária e perturbadora visão de Deus que invariavelmente não se encaixa nos moldes pré-formatados das importadas literaturas cristãs que insiste em amenizar quem Ele é com fins a suavizar os fardos impostos aos seus. O rei Saul conheceu na prática de vida o quanto Deus pode ser misericordioso, mas também provou o quanto Ele também pode ser incisivo. Esta é a história de um homem que conheceu a Deus de uma forma tão profunda que talvez lhe fosse menos doloroso se não tivesse alcançado tamanho vislumbre. Esta e a narrativa de um homem que mesmo sendo rei percebeu que não lhe cabia reinar, pois o próprio Deus o havia rejeitado, definitivamente e irreversivelmente.

No relato de I Samuel há o registro de que o próprio Deus escolheu Saul para reinar (cf. I Sm 9:15-17; I Sm 10), não fora uma escolha voluntária de Saul, este não se ofereceu para tal cargo, apenas fora escolhido por Deus. Contudo, no decorrer do relato bíblico se percebe que Saul cometeu um erro, ele desobedeceu a uma ordem expressa de Deus (cf. I Sm 15:1-11). Tal prática é algo relativamente normal e desenfreadamente praticado no cristianismo do século XXI sem grandes consequências aparentes. Era óbvio que Saul em alguma coisa e em algum momento iria errar, mas por alguma razão no relato bíblico fica expresso que o tal erro não alcançaria perdão. A história registra que o rei Saul ao perceber que havia errado se desespera e se arrepende, não há razões para crer no contrário baseado no trecho bíblico (cf. I Sm 15: 24,25,30), mas foi surpreendido por Deus que lhe retirou o Espírito o retirou-lhe o reinado (cf. I Sm 15: 23; I Sm 16:1). Não haveria uma segunda chance! Não haveria perdão! Saul foi rejeitado! E como que para brindar tamanho fracasso o próprio Deus envia espíritos para atormentar Saul a partir desta data (cf. I Sm 16:14,15,23).

A sentença de Deus fora severa, a partir do ocorrido Saul reinaria sem Deus, até o fim de seus dias. No decorrer da narratividade se percebe que Saul tenta desesperadamente encontrar Deus, mas tais iniciativas não passavam de esforço humano inútil e invariavelmente o resultado da busca se revertia em algo desastroso (cf. I Sm 26:21; 28:6). Não adiantava Saul tentar nada, Deus o havia rejeitado. A morte lhe cairia bem neste momento, mas Deus preferiu fazer de Saul um estandarte, uma espécie de espetáculo ambulante de vergonha e dor, para que todos saibam que Deus, às vezes, não perdoa mesmo quando as pessoas se arrependem. Alguém poderia argumentar que Saul não se arrependeu verdadeiramente, por isto Deus não o perdôo, mas para tal postulado não há fundamento, é apenas um arranjo hermenêutico para não contradizer as normas confeccionais da contemporaneidade que se enraíza numa roda gigante interminável de pecar e perdoar, impondo a Deus a obrigação de perdoar e autorizando os homens para libertinamente pecarem. Por que Deus não perdoo Saul? Por que Deus não deu mais uma chance para Saul? Estas são perguntas que precisavam de respostas, mas que permanecem na categoria do silêncio divino. Ouve-se apenas um desconcertante: “Eu (Deus) o rejeitei” (cf. I Sm 16:1).

Há aqueles que se categorizam junto aos fariseus e que insistem em simplificar a rejeição de um rei numa banal acusação de que Saul não mereceria o perdão, então, para estes o chamado final é que “vejam o Saul em si mesmos”. Vislumbre sendo escolhido por Deus, levantado por Ele como rei, e posteriormente rejeitado, irreversivelmente, pelo próprio Senhor. Por tudo isto, o assombroso convite é para que se vista de Saul e se desespere, pois afinal Deus achou “alguém que é melhor que você...” (cf. I Sm 15:28). Tempos de Saul, tempos modernos! Tempos estes em que homens reinam, lutam e conquistam, ainda que rejeitados por Deus... até que sejam transpassados pela espada (cf. I Sm 31:4).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 15 de Setembro de 2012

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